domingo

Por outros, faz de conta

Escrever um livro. Criar personagens e viver as suas vidas. Ver com os olhos da invenção. Sentir, mas só a fingir, porque o coração não é verdadeiro, nem bate realmente. Ninguém chora a sério os amores, as despedidas, os nascimentos. Escrever. Sentir por outros o que se é fingindo que é dos outros aquilo que de quando em vez se é mesmo.

sábado

Poderes

A propósito do fim que pressupõe o recomeço. A morte do ano que dá vida a outro. Feitiços possíveis apenas nos blogados da imaginação, que a verdade derradeira termina com tudo. Ou não, depende da crença. Nasce-se outro após a morte? Renasce-se melhorado? A invenção do calendário veio colmatar a resposta para o que não se vê, o que se precisa de medir para se arranjar justificação, o poder do homem para acabar e ressurgir na imitação do deus. Dos deuses. Do que se acreditar.

terça-feira

Pouco mas concreto

Não pela falta de vontade ou estímulo, mas tão só pela medonha conclusão de que o tempo não é(nem sempre, nem exactamente) aquilo que fazemos dele. Muito do tempo é cansaço. Daí poucas palavras. Ou talvez as justas. Sempre as concretas. Para mim, claro. Na nesga do tempo se fazem grandes projectos e se terminam construções gigantescas. Fora o exemplo exarcebado, os blogados serão os meus pedaços de construção. Desconstruíndo o todo outros pedaços se revelam. Tudo isto para dizer, que o escasso que aqui tem aparecido é sempre vero. E com esta remato, Feliz Natal a quem por aqui raspar o olhar.

segunda-feira

Exageros

A propósito de exageros. Os de época. Os da boca, os da crença, os da entrega e até mesmo o dos abraços e beijos. O excesso de telemóvel fervilhando no envio de mensagens que se copiam cem vezes até à exaustão de quem as recebe e reenvia. A falta do cheiro de um cartão com brilhantes colados que caíam ao toque maravilhado dos dedos. A falta da caneta mordida na ponta ao pensar no desejo personalizado de uma quadra feliz. O sabor dos envelopes. O sabor de receber boas-festas e enfeitar a árvore com o carinho dos que não podíam estar perto. O meu exagero ao recordar a saudade desses tempos...

quarta-feira

Dúvidas

Do que começou por ser um exercicio de expressão, conhecimento e melhoria rápido passei a blogados de critica. De mim. Do social. De blogados de mim que se desenquadram do social ou a minha visão afastada desta cidade virtual. De blogados do meu sentir que me atiram para uma admiração duvidosa pela experiência de vida que trago às costas. Prossigo. Viciosamente. Mas pelos meus vicíos e defeitos, um todo partilhado aos bocados. Um de cada vez, claro.

terça-feira

Mês de crença. Tão má crença. Por apenas se revelar em meia dúzia de dias num ano inteiro. Os perdões, as confianças, os bocados de dádivas e de doares atingem como marés vivas, levam tudo e todos na enxurrada, nada escapa. Depois escapa-se a fé. De novo. Tudo raivas e intrigas outra vez. Tudo sublinhado pelas ofertas ridicularizadas nas trocas desequiparadas, na comida comida à fartura e escorraçada pelo mau tempero. Destemperanças de fé. Pedaços de boa-vontade de muito má-vontade.

segunda-feira

Atafulhar

A propósito de elogios. E também de rasgadas demonstrações de afecto. Sejam de amizade, sejam de amor. Sublinho estas manifestações pelo virtual em que os bocados são blogados e o que acontece agora é passado imediato. Fico atafulhada de respostas possíveis quando agraciada. E não me sai nenhuma. É o meu todo reactivo. Ou direi, sem reacção...

Sentar-me

A propósito de expectativas. Do que se formula colado ao bocado de pessoa que conhecemos. (Pois que nunca a conhecemos toda, toda). A propósito do baque da descoberta e da consequente desilusão, ou mera ilusão do nós sobre o outro, ou a projecção da idealização, ou o endeusamento terreno à semelhança do que se aspira. É um cansaço que se me abate, derrota-me a força das pernas, obriga-me a sentar.

domingo

Programar

Apesar de me exercitar nas medida das letras, não me contenho na verberância do que sinto. Apenas não explodo. Não pretendo que os blogados - embora do sentir aqui se exibam fiapos - sejam uma sangria do que me vai por dentro. Afinal a análise de si mesmo é dos maiores e mais dificeis actos de contricção para quem escreve. Tão mais fácil falar de outros, inventar, fingir e fazer de conta. Parece mas não é, não me programo para exprimir condicionada o que do todo os bocados fazem de mim. Tento conhecer-me, ver-me por dentro, descobrir se tenho botôes que me liguem ou desaccionem. Mas parece que não fui dotada deste sistema...

sábado

Até quando eu quiser

Estarei nestes bocados até o racional me mandar parar, sem abusos da paixão ou da lágrima pelos outros blogados. Não farei daqui o confessionário nem de forma alguma o muro das lamentações. O objectivo é expôr os retalhos do sentir, não os sentir. Até eu ser capaz.

sexta-feira

Vacinas

Redigir palavras neste todo não significa que os blogados se façam de sentenças cruas e sem sentimento. É um exercicio de contenção, de apuramento dos meus pedaços. Se da verdade apenas eu os leio decifrados, há muito de vantagem nesta encriptação com que os faço, imunizo-me inoculando o veneno que me podería levar de arrasto a uma paixão pelos outros pedaços que espalho em sentires, olhares, mãos dadas. Aqui não quero amor.

quinta-feira

A poesia

A necessidade de me reverter na poesia contrabalança na seriedade quase asséptica com que escrevo estes blogados. Há pois dentro de mim o oposto de dois, um mimo que me faço através do amor, da paixão, da sedução com que as artes poemares me adoçam esta veia esticada e tensa como uma corda de guitarra em que toco o fado de ser pedaço de pedaços. Não serei menor num lado e maior no outro. E nada é tão exacto quanto o ser-se sempre assim ou assado. A riqueza de viver-se está residualmente acrescida se se souber ser das duas metades. Talvez por isso a saudade da poesia me apele. Forte. E de novo.

quarta-feira

Ciclos de vida

Tantas vezes abrando quantas as que me deito numa velocidade extrema, ímpar. Tantas vezes me canso quantas as que a genica me espicaça. Tantas vezes penso na morte quantas as que sorvo a vida a largos goles. Tantos são os todos quantos os blogados que de mim se fazem.

terça-feira

Venenos

Exarcebadamente. Empola-se nestes blogados meus os pedaços que de mim fazem o todo de Túlia. Porque nos blogados é assim que se vive, que se é. Nada se faz pela suavidade ou gentileza. Há que viver rápido e intenso. Multiplicar-se o minuto pelo dia. Amar à primeira palavra, desejar a morte às primeiras reticências. Por vezes sinto que me devoro a mim própria. Por vezes sinto que me vicio como os outros. Por vezes sinto que os blogados me fazem mal.

segunda-feira

Corromper

De quando em vez aparece alguém verdadeiramente arrojado, diferente, quase puro na brutal essência. Merece aplausos, contemplação, extase. Mas de uma forma ou de outra, passado algum tempo e depois de alguma resistência, tornam-se vulgarizados e passam a ser muito do mesmo. Humanizam-se. Deixam-se corromper pela coisa terrena e agrupam-se num todo que não os diferencia. Cedo se esquece que um dia foram "aqueles".

domingo

Blogados de saudades

A propósito de saudades. Não de outros mas de mim. A propósito de saudades do que fui e do serei se a vida me der tempo para isso. A propósito de saudades dos bocados em que me faço e me transformo, dos que já arrumei, dos que espero vir a tirar da gaveta um dia destes, dos que ainda pululam mal formados como blogados de um todo que nunca deixei de respirar.

sábado

Um vezes muitos

Ser um blogado de si equivale a ser outros de metades que se fazem num todo. Esta equação multiplicada por muitos e por muitas vezes dá um produto que depois de sintetizado equivale a uma fórmula bem simples: somos poucos que nos desdobramos em muitos.

sexta-feira

Solitudes

Alguém em tempo passado me disse que isto era caso de solidão. Que por aqui se cruzavam numa espécie de clube do Lonely Heart Club's Band. Na altura achei que não e defendi a minha tese. Mas como todos somos constituídos de bocados de sim e de bocados de não, vejo-me agora confrontada com uma minha verdade oposta e afinal tão certeira como a primeira defendida. Há sim, notórios casos de abanadono por aqui. Seja de outros a um, seja de si mesmos dentro de si. Procuro-me em qualquer destes dois. Não me acho. Nem mesmo um blogado que seja, um pequenino que seja...

quinta-feira

Balanço

Ao fim de pouco menos de meio ano nesta actividade introspectiva e reflexiva achei-me no sentir de outros, de outras, sofri as suas dores, acenei nas suas despedidas, alegrei-me pelas suas vitórias e também pelos falhanços de alguns, criei laços de quase amizade, consciencializei-me de maldades que nada têm de virtual. Doem da mesma forma que no mundo de fora magoam. Até talvez mais porque aqui não vemos o olhar, não adivinhamos. Mas aprendo rápido e bem. Ou mal. Que a desconfiança é elevada ao quadrado e por aqui não reservo a ninguém o benefício da dúvida.

quarta-feira

Só para mim

Do todo e aos blogados só interessa a mim, só a mim me faz falta, só eu sei descodificar o que vai nestas linhas. Afinal, tantas verdades tão verdadeiras que se soubessem não lhes acharíam alucinações ou um mero exercicio de escrita. Retalhos do que realmente sou.

terça-feira

O galeão

Se de inicio me achei nestes blogados como caminhos a fazer para me conhecer melhor, as viagens que faço só me aportam a enseadas tumultuosas e cheias de rochas afiadas que me cortam o galeão onde me faço ao mar. Acabo por ser pirata e por ser refém de pedaços de mim mesma. Na verdade, não sei se me tornei melhor, se gosto da figura de vilão ou se cedo à donzela indefesa. Na verdade, os retalhos do que sou são um misto explosivo que aparece à tona de água em cachões elevados que espirram à vez, um e outro. O galeão afunda-se, mas lentamente.

segunda-feira

Mais uns bocadinhos

O que custa nos amores virtuais é que nunca passarão disso e se de incio é esse o engodo e se pode dourar a pílula, logo aparecem as mesmas comezinhas instruções da vida real. Depois, a virtualidade destes amores não se compadece com o tempo e tudo é desmesuradamente agigantado quer na entrega quer no choro. Ama-se loucamente, odeia-se desvairadamente. Quantos bocados de vida à séria se fazem deste blogados de sentir. Tantos retalhos, mas tantos, tantos...

domingo

Restos

A propósito de usos. De reciclagens. De gastar de uns e de outros, dos seus humores, disponibilidades, apetites, amores, ciúmes e vendettas ao melhor estilo mafiosi. A propósito de trocas, se me dás eu também dou, se te excusas dou-te amargos. A propósito de outros chegarem e colherem os pedaços que restaram, já muito escolhidos, muito dentados e cheios de quilometragem. De fazerem sentir que estão felizes com os bocados que lhes tocaram em sorte. Mas que no dia que esses blogados se encherem de cobranças, serão o desdém de muitos repartidos e do todo não sobra nada.

sábado

Espelhado

Destes blogados como superficies lisas, brilhantes e reflexivas. De si, do eu. De mim. Do que acho. Sem pragmatismos, muitas dúvidas até, uma concepção da natureza da pergunta, dois pratos para um sim e um não. Se de inicio encontrei nestes retalhos a possibilidade de me mirar e ver-me do outro lado do espelho, a imagem que me ofereço ainda se carregou de mais porquês. Não busquei certezas mas procurei o equilibrio do que me pende para um bocado ou para outro. Ao fim deste tempo aquilo que mais aprendi foi a esmiuçar, a desfiar ainda mais a interrogativa e do espelhado encontro o meu eu blogado.

sexta-feira

Bichos

O ciúme mata. Não de uma forma limpa e eficaz, pela raíz. Mata em crescendo. Mina. Corrói. Alastra-se e pega a outros territórios, outras gentes. Gera dor e desconfiança. Dor e remorso. Dor e morte. Apaga lumes. Esvazia conteúdos, tira vontades e afinal sendo um tanto não é de todo um todo.

quinta-feira

Cacos

A propósito de não saber. E do velho ditado "Quando não sabes está calado", porque senão ou entra mosca ou sai asneira. A propósito de dar a entender que se sabe de tudo. Mas nem de um pedaço se arranha. Finge-se. E como para fingir também é preciso arte, acabam estas esculturas virtuais por se deceparem no seu próprio pedestal, que de tanto inventarem pedaços, embrulham os pés pelas mãos e o que resulta são cacos. Verdadeiros blogados espatifados.

quarta-feira

Bocados de lobo e bocados de ovelha

É profundamente surpreendente o que se pode achar por aqui. Os que parecem menos dotados acabam por ser os mais simples e logo, os mais ricos na sua essência. No lado oposto aqueles que se assemelham a víveres de 2ª categoria e para engano do palato vá de carregar no condimento.
É profundamente surpreendente encontrar alguém que não misture os bocados do projectar com aquilo que é na verdade. E depois é assistir, tal como eu, a liberar apenas blogados, não vá o diabo tecê-las, ou melhor engolir-nos como ovelhas descuidadas.

terça-feira

A selva

A imagética deste mundo é ainda menos contemplativa e apaziguadora do que a real. Por isso se transformam ninharias em tesouros dentro de arcas. A quem souber o segredo da combinação, o prémio para chegar ao sentir. Mas se se demorar a abrir o espólio, o próprio dono trata de revelar pistas até ao coração. Precisa de ser desvendado, despido, quase torna esse o objectivo deste bocados dados intermitentemente como pedaços de comida às feras. Só que os predadores rondam o cheiro a sangue e o bando de hienas aproxima-se cauteloso, esperando a refeição descuidada. Esta selva virtual oferece tesouros, fruta fresca mas também bichada e podre e na moita, o caçador, preparado, à espreita, ao menor deslize abate o animal.

segunda-feira

Variações sobre escrever

Escrever. Revelar-se. Rebelar-se. Acrescentar. Enriquecer. Distribuír. Partilhar. Consumir. Alimentar-se. Fortalecer-se. Descobrir-se. Desdobrar. Multiplicar-se. Desvendar-se. Do Todo e aos blogados. Bocados do sentir, retalhos de eus que do todo se alimentam e fortalecem outros.

domingo

Filosofar

Não há liberdades condicionadas. Ou se é livre ou não. Ou se vive ou se vegeta. Ou se é pedaço ou se é um todo. Mesmo que este todo seja um tudo de bocados que se formam de liberdades. E a liberdade começa no pensar. Do pensar ao sentir. Do sentir ao agir. Condicionado? Um número infinito que leva ao inicio destas palavras e se deita até percorrer todos os caminhos do pensamento ágil e se une ao começo.

sábado

Blogados de vida

A propósito de amores. Dos virtuais. A propósito de quem se apaixona por estas linhas sem rosto nem toque e agarra mãos invisiveis entre imagens e palavras. Que são bocados do que se gostaría de ser. Não obrigatoriamente pedaços de verdade real. Blogados. Em toda a sua essência. A propósito de ciúmes, despeitos e outras guerras que de virtuais acabam por ser sentidas na carne real. A propósito de solidões que vivem este mundo como o único verdadeiro e sentido, fazendo de alguns minutos a vida de um dia.

domingo

Excessos

Demasiado realismo nestes bocados de fios. Demasiado virtualismo na perfidia da mentira e do disfarce. Exarcebação do ego em multiplos blogadinhos. Ciúme. Chantagem. Tudo reproduzido e retalhado a olhos de quem quer ver. Agora entendo melhor o meu cansaço... eu sou só um pedaço de mim aqui. Nunca os muitos bocados me constituiriam completa para me revelar tão nua quanto os demais.

quarta-feira

Reblogar

É um vicio. Sem prazo. Sem data marcada para saír e regressar. Ao final de uns dias apetece voltar, recorda-se o cansaço da escrita e do demonstrar, do exibir vontades e fraquezas. Hesita-se. E mal se dá conta fraqueja-se a vontade e eis-me de novo. Não prometo novidades. Talvez muito do mesmo destes bocados que eu sou. Provavelmente nada de original, muitos dos blogados são retalhos de uma população anónima que se cruza comigo. Eu apenas falo por palavras escritas. Os outros talvez olhem o chão.

sábado

Intervalos

A propósito de pausas. De descanso. Da necessidade de dar tréguas a si mesmo na vontade de espairecer, fugir, escapar ou do mais comezinho, nada fazer. E do nada fazer fazer tudo. Delinear estapas novas, reformular conceitos e prioridades. Talvez estes bocados de mim estejam precisados desses intervalos para se reconstituírem em novos pedaços. Não num todo, unificado e reformulado, que do passado arrasto correntes e mesmo nos intervalos dos aros que as formam há carnes agarradas que não me permitem esquecer de que blogados este blog tem sido construído.

sexta-feira

Da ponte dos extremos

Do bocado do amor há sempre um fio ténue, forte e invisivel como o que a aranha tece, até ao desagrado do ódio. Ama-se desesperadamente, odeia-se vivamente. Quando nos encontramos numa ponta dessa travessia achamos e até negamos que do outro pedaço não há vontade alguma de o atingir. Mas apenas o pé avança e decididamente engendramos pilares e sustentação passível de nos carregar o histórico e o peso de tanta dor e até ao outro lado é um fósforo. Que arde todos os bocados do que chamámos de bem.

quinta-feira

Apenas um bocado do que se gostaría de ser

Título comprido. E nem mesmo assim se atinge a intenção do todo. Não é uma mera e mesquinha inveja de desejar ser como outrém. É a apreciação do que ao longo da vida tenho tragado como ciumite aguda. Não de outros. Não de cousas. Mas da façanhuda e empertigada maneira de dizer o que acho certo e o que acho errado. Isso, incontinências verbais. Prefiro chamar-lhes orgasmos verbais, que da satisfação de dizer o que vai na mente não há igual. E afinal todos ficam a saber com o que contam dos meus bocados de mau feitio.

quarta-feira

Amarguices

As de boca e as de peito. As primeiras passam com uma boa escovadela, elixir, gargarejos, cuspir tudo o que se sente. Uma visita ao dentista duas vezes por ano para vigiar, prevenir, consertar. Das do peito é outra coisa: é aquele pedaço muito semelhante a expectoração que se agarra com unhas e dentes e por muito xarope que se engula não descrava. É que o amargo de peito fermenta, dilata, procria e geralmente quando expande não só vomita como exala um fedor de inveja e egoísmo que no final acaba por derreter o próprio. Alguns chamam-lhe azia, vem o nome dos ácidos corrosivos que dissolvem o bolo alimentar mas destes ódiozinhos vive muito o bocado do que se é na verdade. Amarguem-se então. Consumam-se nessa proscrita fé que ateia o próprio inferno. Maldito blogado este!

terça-feira

Generosamente

Por falar em surpresas. No mérito de as receber. No mérito de quem as oferece ser recompensado pelo sorriso. Ser agraciado pela devolução da surpresa sem tempo contado, nem na medida certa da surpresa igual. Por falar em surpresas como presentes únicos. Como acrescentos de vida. Como um pedaço que dá mais valia ao bocados da vida. Como um bocado a recordar pelo todo da vida. E de cada vez, como genuina e singularmente, ser tomada a surpresa como um acto de generosidade neste mercado de trocas que se tornou o viver.

segunda-feira

Quando

Quando é que me tornei mulher. Quando é que me tornei escritora e depois me arrepiei na poesia. Quando é que estes bocados entraram em mim e se colaram e me tornaram noutro pedaço, que não o todo, pois sei que outros hão-de chegar e igualmente integrar-me e nessa altura hei-de voltar a fazer a mesma pergunta. Sem resposta. Quando é que me tornarei velha, aos bocadinhos, ruga a ruga, engelhada, mais pequenina. E nesse tempo por chegar, regressarei à mesma inquietação desta pergunta: Quando foi que isso aconteceu? E quando me tornar velha por dentro? Sem me perguntar mais nada?

domingo

Pedaços de coisa velha com sabor a novo

Haverá sempre qualquer coisa por dizer. Decerto qualquer coisa mais por escrever. Coisas novas a partir de palavras usadas. Coisas velhas ditas no sentido de palavras reinventadas. Pessoas novas pelos bocados ouvidos noutro tom de voz. Pessoas já muito conhecidas pela veleidade com que vulgarizam alguns conceitos. O amor nunca será um todo mas um todo constituído de pedaços que se renovam na medida dos seus autores e na veracidade com que desempenham esse acto, na entrega e no receber e ainda no cativar. E por muito que se repitam frases, afirmações, se pause a respiração nas reticências do poema nunca será mais do mesmo, pois para amar são precisos dois e os bocadinhos de um são todos os dias diferentes dos bocadinhos dos outros.

sábado

Insatisfação

Reclama-se do calor e apelam-se às razões do buraco do ozono; manifesta-se contra o frio e a chuva mas aprecia-se o cheiro da terra molhada. Ter e não ter. A propósito desta incapacidade exclusivamente humana e racional da irracionalidade de nos perdermos em manobras de distracção e perdas de tempo, quando afinal apenas nos deveríamos focar em aproveitar o que se nos oferece na agilidade do pensamento para reinventar saborosamente o que a natureza permite. Tomar banho de mar enquanto a chuva cai copiosamente. Ouvir uma canção de Natal em Agosto. E renascermos destes bocados na insatisfação de querermos que a surpresa se revele no mote do dia.

sexta-feira

Quem vê caras não vê blogados

Há uma estranha mania de encaixar fisionomias na capacidade para desempenhar funções. Caíndo num exemplo não muito singular e até por demais vulgar, refira-se que sempre se achou que uma mulher bonita tem algumas dificuldades em ser inteligente, assim como um homem de aspecto boçal nunca poderá ser um artista. Nada mais errado. Os pedaços que fazem gente bonita nem sempre se acham num nariz fino e as mãos gretadas do trabalho têm tantas aptidões para tocar um instrumento quanto as do oleiro a criar uma peça ou a dar um açoite ao filho. Quero eu dizer com isto, que a surpresa de me acharem hábil resume-se ao facto de me verem como um todo, ignorando que dos meus bocados há a fragilidade natural de ser mulher mas a força do búfalo para encarar um terreno por lavrar.

quinta-feira

Retalhos de bondade

A propósito de bondade. De solidariedade também. Acredito. Mas não acredito que dentro dos que a apregoam e até praticam se mantenha constante este estado de prestação do bem sem serem atravessados por uma brisa (mesmo soprada) de vingança, praga que seja, um bem-feita! até. É que o ser humano, embora o tente esconder, é dotado desses pedaços maravilhosos de ataque e defesa, que no fundo é o que compõe a sua riqueza interior e a sua tentativa de ultrapassar-se nas dificuldades e revelar, aí sim, de que tecido é feito a bondade.

quarta-feira

Palavras leva-as o blogado

Das grandes calamidades que se proferem, tenho para mim que a maior é aquela que o próprio diz de nunca cometer tal acto, comparando-se - ou afastando-se o mais possível - de outrém. Esta verdade absoluta é talvez a verdade mais enganosa, dando acerto ao provérbio desta água não beberei. Bebe sim. Aliás, se a circunstância a isso se prestar bebe toda e até lambe o copo se for preciso. Estes bocados de enganos, doces enganos, amargos enganos, vêm trazer uma ruptura à institucionalização do todo enquanto pilar de conduta. Racha, sedimenta-se, esboroa-se em muitos pedaços e até em areia fina levada pelo vento. E aqui leia-se vento como lembradura.

terça-feira

Presenças

Por vezes nem som é preciso. Basta o passo decidido, o queixo apontado à vontade de fazer seu o caminho, o redor. Desse bocado de território conquistado não consta o tamanho, a cor da pele ou a do cabelo e até mesmo o género. Dessas presenças que nunca se esquecem somos na maioria compelidos a imaginá-las sós num palco, num púlpito e no entanto, muito para além de encherem esses pedaços de arte completam-nos por dentro, satisfazem-nos, dão-nos confiança, esquecemos a dúvida. Questiono-me sobre se todos não seremos parte dessa presença que no fundo, no fundo, se não houver assistência são tão "ausentes" quanto outro qualquer.

segunda-feira

Vocações

Quando pequeninos perguntam-nos o que queremos ser quando formos grandes. A meio das dores do crescimento impelem-nos para uma resposta pronta sobre o que pretendemos do futuro. Adultos embrenhamo-nos de fuças naquilo que ávidamente queremos para nós e passados alguns anos esgotados, desencantados e velhos pedimos que nos arrastem para o principio porque afinal já sabemos que não queremos ser aquilo em que nos tornámos. Por isso, não se deve desistir dos sonhos nem embarcar no dos outros só porque parece bem. E muito menos dobrarmo-nos sob as adversidades que no fundo só valorizam a verdadeira vocação. (Textinho moralista... também faz parte dos bocados da vida.)

domingo

Fim

A propósito de tudo ter um final. De até estes blogados um dia (não sei quando) se encherem de um todo e se tornarem um excesso dos meus pedaços, dos meus dias. Da minha vontade. Que esta boa ou crispada, ao sabor dos humores, é quem tem o maior quinhão nestes bocados. E se um dia ela se tornar menor ou até mesmo enfartada, há que saber que a dignidade da saída é o melhor blogado para uma morte virtual. Sem recuo.

sábado

Artes

A escrita tem a faculdade de preservar momentos etéreos e aprisioná-los no papel por todo o tempo que o autor quiser. Esse é um poder que algumas artes têm. A verdade é que há um senão e embora perfeita, nada o é na sua plenitude, corta-se-lhe a capacidade de reprodução no acto do ponto último ou quando o autor assim o determina. Quer isto dizer, que por muito que tente, o escritor não consegue escrever o mesmo duas vezes seguidas, com o mesmo sentido, o mesmo sentimento. Na dança, a coreografia é anotada para que nos anos vindouros alguém a possa fazer segundo o modelo original. Dependendo do bailarino assim se tornará nova na renovação, mas sempre emparedada no que está destinado pela musica e pelos passos. No verbo assistimos às modulações da vontade, dos humores e na maioria dos amores. E no pintor escrevem as tintas a cor do verbo, tal como o escultor sente sob as mãos a pedra tornar-se lisa em palavras esculpidas a ferro e fogo.

sexta-feira

O que foi e já não é

A propósito de antigos namorados e dos encontros que a vida marca. Embora em algum tempo se tenha partilhado da mesma intimidade parece que aquando do reencontro apenas achamos um estranho. Duvidamos dele. Duvidamos de nós. Duvidamos que seja o mesmo. Duvidamos do nosso carácter e do nosso gosto e ainda da nossa vontade. Questionamos se por alguma circunstância obscura fomos capazes de dividir segredos e entregar beijos numa boca que nos parece rota e sem vinco de personalidade, quem nos obrigou a tal... ou então, passamos um bocado ainda pior: como foi que não nos apercebemos que era assim e o deixámos fugir sem a arte de cativar?

quinta-feira

Acelerada vida

Há momentos da vida por nos trazerem uma tão grande felicidade, que nos enchem e gastam mais rápido essa mesma vida. Acelera-se. Vive-se mais depressa. Correm-se nesses bocados feitos de segundos, anos, muitos anos, que durante outros tantos anos nos perdurarão na memória e no peito e no sorriso que pomos por cada vez que puxamos dele e fazemos em segundos o todo que compensa a vida pelos muitos pedacinhos de tanta infelicidade.

quarta-feira

Muito obrigado, não obrigado

Da boa educação e polida gentileza atira-se o obrigado. Desleixado. Mas soa bem. Não se sente nada. No genuíno da questão cederíamos 50% dos agradecimentos; a outra metade vai para o politicamente correcto. Assim como também se diz muito obrigado quando não há lugar a tal, quando nada nos é entregue ou facilitado. Mas pela força do hábito, lá damos nós mais um bocado.

terça-feira

Beijos e abraços

A propósito de afectos. Os estreitados. Entenda-se abraçados. A propósito de beijos que se largam junto ao rosto mas não se depositam nas maçãs do mesmo. A propósito do beijo ser socialmente aceite, entregue entre estranhos que trocam cumprimentos uma única vez na substituição do valente aperto de mão. A propósito do abraço ser encarado como intimidade quando o encostar da boca na pele da face não o é. A propósito da banalização do beijo. E da volúpia que se entende quando um homem e uma mulher se encaixam num aperto selado pelo enrolar dos braços. Mesmo não havendo contacto entre bocas.

segunda-feira

Falar, falar, calar, calar

Considerando que há pessoas que calam o que sentem há outras que sofrem de uma incontinência verbal, em que tudo o que lhes atravessa o comando do pensamento perde o norte na vocalização do que sai. E se sai muita asneira e muita palha, verdade é que também libertam coisas verdadeiramente sinceras. A questão é achá-las. Parece que então o nosso cérebro se defende, preparando-se para um caudal exaustivo sobre a tediosa tarefa de escutarmos patacoadas em linha, distraíndo-se de reter o que de facto é genuíno. Arrumamos o assunto. Não estamos para isso. Um alivio quando o botão se desliga. Perdemos assim verdadeiros pedaços em que verdades aos bocados são atiradas de uma forma tão tosca e bruta que nos razam sem apanharmos o verdadeiro sentir. Mas agarramo-nos ao silêncio. Àquele que pesa, que nos adensa, que nos constrange e por temor do que não ouvimos julgamos que o bocado da verdade apenas e só reside aí.

domingo

Partidas

A propósito de memória. De retenção do passado. Não necessariamente de um passado longínquo. Da peneira que o nosso cérebro agita para escolher o que lhe interessa manter e cuspir para fora de nós evitando ocupar espaço com lixo. Ou talvez não. A propósito do que achamos ignorar e de um dia para o outro aparece-nos ao virar da esquina e volta a surpreender-nos. Coisa antiga com aspecto de novo. Ou talvez não. Talvez a tivéssemos atirado para uma arrecadação mal alumiada e na busca de outros momentos ela apareça por estrear. Mas com cheiro de mofo. A propósito dos nossos propósitos em acharmos que comandamos as recordações e só ficamos com umas quantas. E ainda das partidas que elas nos pregam quando sensibilizados por factos recentes nos mentimos a dizer que nada mais nos pode tocar.

sábado

Da pena

Não me perguntem porque escrevo. Para além do amor às letras, claro. Mas qual a alavanca, o botão, o despertar, o tema e até o sujeito, escusem-se: não sabería responder. Ousaría uma coisa tão banal como porque gosto. Mas também porque preciso. Para me exorcizar. Para dar escoamento ao que vai cá por dentro, para falar por outros, por mim também, é o meu quimico viciante. Sem direito a desmame.

sexta-feira

90 sentidos

Quase 90 dias decorridos tantos bocados de sentir, de sentidos, de fugas ao evidente e ao todo facilitado pela afirmativa ou pela negativa, duas alternâncias para bem viver. Mas só aos pedaços, que do todo, cada vez mais creio, se entala entre verdades inexoráveis do pensamento e os cambiantes têm tanto peso quanto o falso e o verdadeiro. Não se trata de agradar a Gregos e Troianos, é muito mais tornar maleável e até moldável aquilo que somos em quinhões repartidos por fases da vida e do sentir. No fundo, o todo não acontece lá para os 100 dias nem para os mil nem aquele que não sabemos o número. O todo faz-se aos bocados, etapa por etapa. O que significa que por aqui me manterei a juntar os meus todinhos.

quinta-feira

A besta bestial

De um vértice ao outro. No tempo de um pensamento. No tempo de um juízo. Na criação de um homem em deus e na transfiguração deste na besta. Do lugar de pedestal ao rastejar da lagarta.
Tão rápido se constroem heróis quanto se apedrejam as suas estátuas. Bocados do mundo. Bocados do homem.

quarta-feira

Mal entendidos

A propósito do que se disse e foi lido às avessas. Do que se escreveu e foi entendido por linhas tortas. Do que se pretendía dizer e por uma pontuação fora do sitio torna o sentido da frase alheio à intenção inicial. E simples. A propósito da cabeça pregar partidas na velha máxima de que o melhor ataque é a defesa. E tudo o que era simples transforma-se num bocado de mal-entendidos. Que deixam sempre uma pequena mancha e que alastram pelo todo sem benzina capaz de lhe tirar o sentido.

terça-feira

Citadores

Leio frases de citadores e pergunto-me da razão que levou a proferi-las. Não duvido da sua grandeza. Ou não fossem citações. Mas questiono-me no meu interior sobre a validade de tantas afirmações que não passaram de palavras levadas pelo vento. Ou melhor, por uma tremenda ventania, já que da teoria à prática vai o outro lado do mundo e mesmo concordando com algumas e discordando com a maioria não vislumbro concordia entre os verbos. Ser e Estar.

segunda-feira

Reacções em cadeia

A propósito de atitudes. E de reacções. E ainda de choques em cadeia. E do que provoca uma única palavra dando consequência a um quase tumulto. A História está cheia destes exemplos. Mas a vida comum, aquela que passa despercebida, enche-se destas palavras solitárias, soltas no virar das costas ou no ponto final de uma conversa. A partir daqui desancadeia-se uma reacção que não tem regresso. Mesmo no pedaço do perdão o que sobra é o todo como produto, com sustância, como novos bocados que alteraram o curso da estória e até mesmo das suas personagens.

domingo

Insónias

A propósito de pouco dormir. Da insónia que agarra o pé e não larga mais. A propósito da insónia dos sentires. Da que agarra o (estupor) do coração e nunca mais o larga. Das insónias da vida. Dos pedaços que nunca poderemos fechar os olhos e esquecer. Ou fechar os olhos e rever de tanto que foi. A propósito de noites brancas que agarram o coração e o espremem entre olhos fechados a saudade que temos de coisas que nem sequer nos lembramos.

sábado

Fácil/Dificil

Penso que mais fácil sería aqui publicar o que gosto. Não de mim, quero dizer. De outros. Imagens, poemas, frases, sabedorias. Continuaría a socorrer-me da boca de outros e da sua arte para falarem por mim. Talvez, esconder-me, proteger-me até. Que esta coisa de se escrever sobre o que vai dentro de nós fortalece o próprio mas facilita o caminho dos outros até nós mesmos. E dificil, dificil é ver para dentro. Mergulharmo-nos. Pegar em cada bocado e dizer sou assim. Para nós mesmos.

sexta-feira

Crepúsculo

Se o dia se esconde mais de mim se revela. É nestas horas que gosto de sentir saudade. Que gosto de levar à boca os pedaços de memória e ficar a derretê-los lentamente. De lembrar de sons e cores, rostos e palavras. De conversar com o todo que me deram nos pedaços de vida partilhada a cada tempo certo. Tudo tem um tempo certo, mesmo que não pareça. A prova disso é este tombar do dia como se fosse todos os dias o derradeiro. Acho sempre que não voltarei a vê-lo. E no entanto... novos pedaços de mim lembrar-me-ão quem sou.

quinta-feira

Alvorada(dos meus sentidos)

A alvorada tem uma beleza incomparável. Não é só um bocado de dia a nascer. Não são só vidas a espreguiçarem-se para iniciar uma nova jornada. É sim, um pedaço lânguido e morno que se estende e toma conta do mundo. Devagar. Com suspiros e tremuras. Com cores sedutoras que de uma pequena paleta banham o todo. E eu, sendo bocado, molhada por esses pastéis docemente tingidos passo a ser um todo, também.

quarta-feira

Avassalador(mente)

Impressionam-me as paixões avassaladoras. Pela sua força. Pelo seu fascinio. Por muitas das vezes, arderem tão rápido quanto o lume vivo que as ateia. Não as minorizo ou troço. Apenas não as entendo. Deve ser por isso que me sinto atraída pela sua observação. Mas não as quería para mim. Consomem carne e afectos e da cinza só vejo dor e mágoa. Não é regra, mas em todos os casos há sempre gente chamuscada.

terça-feira

Estórias

Por várias vezes me tem caído a pena para a tentação de contar o inexistente. Reformulando: o sonhado, o desejado. Bastar-me em pedaços de encantamento não me faríam decerto mais encantadora ou mesmo sedutora. Porém, faríam de mim uma mentirosa sedutora a quem as estórias inventadas daríam de si (leia-se mim) a repercussão de um todo pelos bocados do que todos desejam para si. Riqueza, beleza e saúde, o que todos almejam. Eu também. Mas juntar delirio ao que de bom e belo tem o sonho sería uma história de leviandades e de todo prejudico uma estória aqui e ali pontilhada por bocados de verdades menos bonitas do que a alucinação maníaca de impressionar pela mentira bem contada.

segunda-feira

Parar ou não, eis a questão

Se parasse agora com estes blogados ficaría com a sensação de coisa inacabada. Não que o seja se persistir nesta caminhada de encontro a mim. Não que fosse eu inacabada antes de me ter atirado a esta aventura de me esquartejar. Não que a aventura seja separar pedaços e misturá-los e dispô-los de outra forma. Mas que os blogados são viciosos e quanto mais distintamente arejados mais outros blogados nascem desses. Somos um caleidoscópio.

domingo

Esperar e adiar

Muitos pedaços de espera. Muitos bocados do que se aguenta à espera de alguma coisa que sabemos nunca há-de vir. Adiar para o dia seguinte mais uma espera. Hoje não, amanhã espero. E depois e ainda nos outros dias em que se aguenta inutilmente pelo que não chega (e sabemos) mas inventamos para que haja a idéia de que sempre virá melhor. O todo. Aguentar pedacinhos de nada na esperança de chegar ao tudo. Um dia. Um dia chega. Um dia não se adia mais o sonho porque não se espera mais nada.

sábado

Mamíferos

A nossa condição animal impossibilita-nos muitas vezes e perante um perigo inesperado de pôr a lógica a escudar-nos. Fugimos ou atacamos consoante a nossa posição, seja de presa seja de predador. Despimos o erectus em frente a uma ofensa verbal e corporal e reagimos no imediato primário da revolta ameaçando o intruso com o nosso tamanho ou a qualidade linguistica no vocabulário sacado do escárnio e dos apontamentos da deficiência fisica ou até mesmo da falta de garante na continuidade da descendência. Mas quantos bocados de mamífero somos nós perante o deslumbramento do nascer do sol ou a queda deste a humedecer a boca aberta no espanto da grandiosidade do que nos ultrapassa? Dizem que é sensibilidade. Eu acho-lhe animalidade. E sinto-me feliz neste pedaço de mamífero que me compõe.

sexta-feira

Feriados

Deveríamos fazer folga de nós mesmos. Aborrecimentos, contrariedades e desapontamentos num feriado ao sol à beira-mar ou soltos na ventania do topo da montanha. Esquecermo-nos do que sentimos, escarafunchamos e insistimos mesmo sabendo de antemão que o buraco que se abre apenas rompe mais o bocado da ferida. Que ao todo são muitos os pedaços de nós que se auto-infligem castigos por termos a capacidade do sentir. Feriado dos sentires. Dos afectos. Não deixar por um dia que fosse que nos afectem. Perder a memória. (E recuperá-la à meia-noite).

quinta-feira

Carrocel

As dores que achamos nunca sofrer são as que mais nos mistificam na vontade de as sugar e de tomar no silêncio das noites em branco. Não as percebemos. Não as sabíamos nossas. Atravessa-se uma saudade imensa do que nunca vimos e o sentimento amargo da despedida instala-se. Não sabemos a quê ou a quem acenamos, por quem choramos, porque nos magoamos na insistência do pensamento levado num túnel, apertado, cilindrico, sem outros pedaços a que nos agarrar e dizer pára. E quanto mais queremos parar mais os bocados se juntam num todo e andamos à roda, à roda, à roda...

quarta-feira

Garimpar

Gosto de mistérios. E de surpresas. Gosto da surpresa que o mistério me traz. Gosto de desvendar. Escavar. Ir limpando pequenas impurezas como artefactos que servem para distraír o trabalho de garimpa. Há vezes em que se escava muito. Demasiado e até à desistência. Mas a teimosia e a intenção sempre acabam por revelar alguma pequena ponta de uma pedra preciosa que se esconde no meio dos carvões. Depois é lavar, escovar, deixar a luz do dia reflecti-la nas cores prismadas. E aí novamente surpreender todos os mistérios.

terça-feira

Um delirio de vez em quando não faz mal...

Relidas todas as palavras aqui deixadas, só me resta pensar que de muitos bocados sou eu feita. De todos aqueles que aqui ainda não falei. Seja de mim, seja do cenário. Leia-se a vida. Não como um todo, mas uma parte do mundo, a minha, um bocado do mundo é também meu pertence. E mesmo que gozando de epíteto sarcástico, atrevo-me no prazer de achar que o mundo no seu todo diferente sería sem o pedaço de mim.

segunda-feira

Do perfeito

A propósito de imperfeições. De coisas mal acabadas. Ou mal acabadas por mal começadas. Ou pelo tédio em que se tornam. Ou pela expectativa gorada. Ou pela hercúlea vontade que dê certo o que quase anti natura se observa desde o inicio e se mascara tão só pelo desejo que fosse perfeito. O perfeito é apenas um bocado. Maior é o imperfeito. Que se do todo se achasse a perfeição, a imperfeição sería a perfeição e sem os bocados para provar tragaríamos todos comuns afectos e a palavra amor não tería sido inventada.

domingo

Fábrica do(s) tempo(s)

A arte de se fazer do tempo aquilo que quisermos é um dom que atinge poucos. Pedaços de horas equivalem a um todo que preenche e dilata a vida para além do bem-estar do fisico e da bonomia dos afectos. Segrega-se de um naco um alimento nutritivo que aconchega como um todo. Duplica-se a capacidade de amar e odiar. Fabricam-se engenhos que por sua vez geram mais tempo e deste pedaço (que não é o todo da vida) consolam-se sonhos, desejos. Tanto. Que passam a ter estatuto identificativo do que tem o dom.

sábado

Bocados de coragem

Há vezes em que a coragem leva-nos a juntar os pedacinhos que restaram de nós. Seja no desgosto, no medo, na aventura do amor. Leva-nos a actos tresloucados e suicidas. A rasgos de genialidade e do ridiculo. A gritos filantrópicos e a um uso muito singular do pragmatismo. Destes bocados fazem-se lendas. Piadas jocosas. Exemplos de vida. Mas na verdade nada do que possa soar tem a dimensão do todo que se constrói façanhudo e se aventura de peito aberto na exclusividade de previamente se ter colhido o que parecía tão pouco para fazer tanto.

sexta-feira

Amor & Poesia

A propósito do amor. A propósito de chegar, instalar-se e dispôr da vida das pessoas. Sem apelo nem agravo, sem dó nem piedade. A propósito de dizerem que ele move montanhas. Mas não move ninguém que não esteja na mesma sintonia do enamorado. A propósito de desencontros do amor. Ou dos amores. Ou daquele que ama mas não é amado. E aquele que não ama ama outro alguém que também não o ama a si. Se tudo fosse perfeito não estaríamos a apanhar os bocados deste triângulo. Faríamos com que o amor juntasse o que ama àquele que não ama o que ama e também não ama. E do que restasse far-se-ía um poeta.

quinta-feira

Morrer duas vezes

A propósito de despedidas. De despedidas sem se ter dito adeus. De despedidas com discursos ensaiados e que se perderam no espaço e no tempo e também no voltar das costas. Despedidas ignoradas. A propósito de despedidas que deixam um travo amargo na boca mas os dias e as noites encarregam-se de o dissolver na saliva de andar para a frente. A propósito de um dia e apenas nesse dia se voltar ao ponto de partida. A propósito de tudo voltar até ao último som da palavra proferida. Destinos chamam-lhe. Retomar o ponto de ruptura.

quarta-feira

Plena e completa de pedaços

Arrisco-me a perder bocados de mim se investir no objectivo de isolar o todo. Afinal o todo não é a soma de todos os pedaços. Estes são a soma de mais mil e um. Mil e um sentidos e sentires e dares e dádivas do tempo e de gentes e de amores e de corpos e de aprendizagens que se fazem aos solavancos mas sem ressalto. O todo é o fim. É a cauda de muitas metades que trouxemos na nossa bagagem e nem nos apercebemos. Quero um pedaço inteiro de mim que se faça de todo. Seja por um dia, seja por um século. Esse bocado é completo.

terça-feira

Surpresas

O bom da surpresa é ela surgir ao dobrar a esquina e estalar-nos na cara. Em cheio. Quem dispara é o coração. A surpresa anda de mãos dadas com o bom, o feliz, o amor. Das surpresas desagradáveis não se arranjou designação mas eu chamo-lhes desilusão. Tirar a ilusão. Caír a decepção na vez do coração aos pulos. Em cheio na cara.

segunda-feira

Mar de mim

Atirei-me a estes bocados como um todo armado em tábua, não de salvação que essa não se agarra assim e aqui, mas de uma tábua que me desse amparo aos braços até nadar salva à praia do meu todo. Porém, guiam-me as marés para dentro de mim mesma e quanto mais nado e me impulsiono para chegar a porto seguro mais pedaços de mim recolho nesta navegação pouco própria, descuido correntes e afasto-me do objectivo. Canso-me a juntar estes meus bocadinhos e perdida no tempo deixo que a noite caia com todos os perigos da cegueira de não me ver na escuridão. Nado mas já não sei para onde. Quase me divirto em floreados com as mãos ou o grotesco das pernas e pés ampliados e distorcidos por tanto mar. Mesmo que não chegue pelo menos conheci-me de outra forma.

domingo

Causa/Efeito

Por causa de dizermos sim. E não. Com a boca e com o querer. Por causa de dizermos nunca mais e sentir nunca mais e voltar a acontecer e saber que diremos sim. Por causa de dizermos não e ansiar que nos forcem (um bocadinho) a dizer sim. Por causa da vergonha de dizermos sim e acenarmos não por não haver coragem no som das palavras em dizer sim. Por causa de tantas vezes dizermos não e acabar sem saber o paladar de aceitar. Por causa de orgulhos engolidos estupidamente como nãos ou a vénia vexatória de não termos resistido ao sim. Por causa do que somos e do que tememos pensem de nós. Por causa da causa dos sins e dos nãos.

sábado

Conjugar o verbo ser

Somos o que já éramos. Mas não somos mais o que fomos. Nem seremos de novo o que estamos agora a ser. Estes bocados temporais que derrotam corpo são-no muito maiores onde não se vê. A consciência de trazer atrelado o pedaço do passado não nos altera mas ajuda a entender o que poderemos vir a ser no bocado do adiante. O herói que hoje somos chorou no silêncio do escuro e amanhã dará a mão ao velho que se encaminha para a última rua.

sexta-feira

Perdoar&Amar

A propósito de perdões e de amores. A propósito do perdão do pecado pelo transcendente de saboroso que contém. A propósito do perdão pelo pecado alheio. A propósito de perdoar na proporção do amar. E ainda a propósito de não perdoar por tanto se amar.

quarta-feira

Bocados do invisível

Há vezes em que não sei de que lado estou. Se do mal se da vontade. Se do perdão se da vingança. Se da mulher se da fêmea. São bocados de mim que se alternam no todo de quem sou. Nunca todos num só dia nem nenhum com mais peso que o outro. Reajo no bocado de animal se me desiludem. Mas sinto-me carne e essência se me amam. E sinto o pedaço do corpo a moldar-se ao bocado do invisível tanto mais quanto eu amo.

terça-feira

Pão

Quem gosta e lê poesia alimenta-se desse fio ténue entre o formato real e o transporte para o imaginário. Come aos pedaços as páginas sedutoras do amor alheio e enxuga as lágrimas do autor nas suas. Mas quem dá de comer ao poeta? Aos seus bocados de sentir quer na inflamação declarada do seu objecto amoroso quer no lamento uivado das noites de solidão? É o poeta e quem o lê um todo? Ou duas metades de um pão nutritivo que satisfaz tantas bocas?

segunda-feira

Recados

Os recados vivem muito de quem os lê. De quem os espera. Nem sempre lidos e entendidos como quem espera por parte de quem os deixou. Deturpação do verbo no som da leitura. Onomatopeia das intenções. Sentidos. Alerta. Expectativas. Desilusões. Os recados são bocados de nós que deixamos aos outros na esperança de que eles vejam o nosso todo. Mas se nem mesmo o nosso todo é por vezes entendível a nossos olhos, como esperar que do alheio cumpram o recado sem se desviar pelo caminho do bosque?

domingo

Nús

Acto promíscuo este da escrita. Revelam-se sons, cheiros e apetites. Anda-se nu de partes pudendas, por aí, bocados de pele à vista sem pudor algum, exibicionismo dos afectos e dos sonhos. Mais se despe nestas linhas do que no bordel à hora. E quando nos apercebemos dos bocados entregues tarde demais! Saltamos para dentro de outros corpos à laia de traje. Lá vamos nós. De novo. Promiscuamente. Enganados por acharmos que enganamos outros. Só porque aparecemos diferentes.

sábado

Saber partir

Por muito que se queira, que se force, que se rompa há bocados que deveremos sempre deixar despegados de outros. São pedaços de per si, inteiros, completos como um todo. Alinhá-los, compará-los e pior que tudo tentar a sua união ao padrão uniforme é aniquilar a beleza do que os fez. Por isso, não há que teimar na continuidade do que já terminou. Puír esses bocados na tentativa de revelar alguma originalidade é matar todo o belo que até então brilhou. Esquece-se o que foi e só se lembra como foi mau na despedida.

sexta-feira

Saber dizer

Não basta abrir a boca e cuspir sons em forma de palavras. Mesmo que estas procurem no requinte ridiculo a originalidade da frase. Muito melhor falá-las simples. Puras. Vindas directas do coração. Como bocados de nós que se dão e se mostram sem máscaras ou convencimentos da verdade única. Escolhê-las sim, mas pela importância do momento e de quem as recebe na escuta saborosa de saber o sentido que trás envelopado. Para momentos solenes escolho dizer silêncio. Os meus olhos falam esses bocados por mim.

quinta-feira

Saber receber

Não compete ao dador por exclusividade a sabedoria da entrega. Deixa de ser relevante o que se dá se o receptor não souber o tamanho do que aceita. O momento que se oferece requinta-se no gesto único de ser aquele e não outro, um bocado de sentires que se escolheu e se atribuiu grande por ser para quem é. Mesmo no agradecimento da dádiva não basta a vénia e a profusão de palavras. Muito mais se dá no receber quando se sente que aquele é especial. E basta uma só palavra para a eloquência do gesto.

quarta-feira

Saber ver

Do saber ver e passar os olhos há a diferença do aprender. Mirar no relance estende um tecido sem pormenor ou relevo. Perde-se o detalhe dos poros abertos ou apertados da pele arrepiada e da pele satisfeita após o beijo. Atirar o olhar magoa pela despreocupação do gesto, pelo bocado desajeitado que se cola nos pedaços importantes. Cacos em diagonal. Banalização na pressa de formar um todo quando a sabedoria está em manter perfeito o que é singular ao olhar. Na maioria das vezes, tão ínfimo.

terça-feira

Saber guardar

A propósito de segredos. E segredinhos. Bocados de verdades escondidas. Pedaços de verdades ajeitadas a bel-prazer do seu ouvinte. Bocados do irrepetível. Recortes do tapado e do descoberto. Verdades que embrutecem como um diamante por lapidar. Pedras que foram preciosas e no cadinho das bocas se transformaram em vidros sem refractar a luz. É esta a diferença entre segredos e segredinhos. O que se guarda e o que se desrespeita.

segunda-feira

Faz de conta que sim

Faz de conta. Faz de conta que é verdade aquilo que se diz. Que é mesmo a sério. Faz de conta que é sério e profundo e tão verdadeiro como se fosse verdadeiro. E neste pedaço de faz de conta é mesmo verdade, é o todo sem se fazer de conta. Mas não se diz. Faz-se de conta.

domingo

Experiências

Nada se começa de novo. A ingénua mentira de debutante. Tudo se recomeça. Se pega num qualquer fio que veio de trás e arrasta a memória no conhecimento do que já fora. Dos bocados de outros ensaios restam fiapos que servem de âncoras e prendem-se ao fundo da experiência.
E nem mesmo assim se aprende a desamar o que não presta.

sábado

Audaciosa(mente) (sem mentira)

Atrever-se a escrever sobre si. Audaciosamente. Com sublinhados. Nas partes boas e nas partes más. Escrever para melhorar. Para expurgar. Para compreender. Para mostrar bocados dos sentidos. A si mesmo. Como se a outro fossem exibidos. Confrontar sentidos e sentimentos. Realidade e desejo. Sonho e cumprimento. Metas e desvarios. Atrever-se a doer. Atrever a doer-se. Revelar. Amar. A mim para poder bem aos outros. Nos seus retalhos e no seu todo.

sexta-feira

Palavrinhas

As palavras não custam a ser ditas. Basta abrir a boca e sonorizá-las. Sussurradas ou gritadas. As mais dificeis são as ditas em silêncio. As mais importantes são as escritas. As mais mentirosas são as palavrinhas. As de maior relevo as que se usam pouco com medo do gasto. Como amo-te. Não se gasta dizê-lo mudo mas corrompe-se na repetição vulgar.

quinta-feira

O meu todo

O meu todo é feito de pedaços de mim que já o foram. O que será é um retalho feito de fios entrelaçados no desconhecido. Embora deduzível pelos bocados que já constituem o todo do que sou agora. A esta distância vejo o meu todo que já foi como bocados que reconheço e outros que aparecem de outro todo como se nunca houvera sido do mesmo todo que sou agora. Nesta mudança do todo para bocados e de pedaço em pedaço que me fazem no meu todo actual há uma evolução de saltos. É que há retalhos que de tão ásperos preferi escondê-los e se o meu todo é um tecido estes são as bainhas. Estão para dentro, não se vêem, mas são imprescindíveis para a construção desta pele que me veste.

quarta-feira

Impulsividade

A da meninice na correría ladeira abaixo sem pensar na queda estatelada. A da adolescência no tamanho das pernas maiores que todo o resto e que medem o mundo. A da idade adulta nas palavras do amor e no não monossilabado em articulação vagarosa. A da velhice em saber qual o dia bom para partir. Ainda me faltam bocados de impulsos. Por enquanto ouço mais o baque do coração.

terça-feira

Confiar e querer confiar

Aceitar. Como bom e verdadeiro aquilo que nos dizem. Sem desconfiança. Sem temores, receios, olho fechado, olho aberto sobre o pragmatismo do que nos avançam. Acreditar. Crença. Fé. Confiar. Mesmo que no estranho da explicação não se encontre nenhum ponto infectado e com pus que provoque a tal interrogação. Mesmo que doutras vezes o lapso ou a omissão ou a deturpação ou a mentira pequenininha já tenham surgido a espreitar. Deste todo feito de bocados sem aparente sustentação fica a linha que une os retalhos e formam o belo tecido de se confiar cegamente.

segunda-feira

Questões

Pergunto-me se no amor se é o todo. Aquele sem limites, sem fronteiras, sem quês. Se não serão antes bocados que se permitem oferecer. E que na devolução do dar se tornam um todo. Reforçam o todo. Enriquecem os bocados do que se ama mas não são o todo. Que se do todo nos dessemos nenhum pedaço ficaría por descobrir. E encantar. E fazer amar ainda mais. E aumentar a mentira do que se diz que quando se ama se dá tudo.

domingo

Reservas

Ainda sei o que são os bocados de mim. Mas só aqueles que recortei e guardei para a minha intimidade. Pequeninos retalhos de várias eras que pela sua grandeza ocupam o único espaço que comporta tantos. O coração guarda-os. Só os olho quando estou só. E só mesmo quando a coragem me faz companhia. Aqui e nestas letras avanço com o todo. Reúno rasgões e uno-os ao meu todo. Evito fragilidades de apresentar os bocados isolados. Esses reservo-os no pudor.

sábado

A falta de um pedaço

Se eu soubesse que um pedaço de mim fazía falta a outro alguém fugiría. Não lho emprestaría. Fazía-lhe um favor de vida evitando todos os bocados de mim, feios, esgaçados, de cores garridas e pardos tons. Passaría por egoista. Faría de conta que os quero em mim como um todo fingido. Que de mim há pedaços de outros que também me fugiram. E agora passeio-os na minha abstracta forma de lhes ser um todo.

sexta-feira

Grito do silêncio

Silêncios. Os que se atiram ao rosto e espelham a voz da alma. Os que enchem de sons a sala vazia. O eu. Pedaços de silêncio que invadem o todo do raciocinio e enfrentam dores esquecidas. Confrontos. Os do silêncio nas verdades. A verdade. O ruído assobiado da verdade na solidão do silêncio e os pedaços de mim atirados ao canto da minha sala vazia. Encontro entre o silêncio e o grito do meu todo.

quinta-feira

Lá longe

Quando se olha uma bela paisagem ao longe só lhe admiramos a mancha viva de cor. É o todo. Se puxarmos de uns binóculos aproximamos árvores, nuvens, céus. Distinguem-se os verdes dos castanhos, estes dos azuis e dos azuis o chumbo que prepara a tempestade. Mas se caminharmos ao encontro dessa bela paisagem rápido se desmancha o enlevo pelos bocados de cor, as imperfeições do desencaixe do cenário. E dos pedaços que tanto gostámos desilude-se o olhar pelo todo que só existiu dentro do nosso querer.

quarta-feira

Pele da alma

No meu peito crescem pequeninos pedaços de uma trama muito mais rica do que a que me cobre enquanto pele. Pudera eu conseguir que todos a vissem. Pudera eu fabricá-la como um bicho artesão na eficiência das malhas que se cruzam e tapar-me de todas as cicatrizes que me desfeiam a alma.

terça-feira

Just no time in time

A propósito de infâncias e de idade adulta. A propósito de querermos que o tempo passe e os dias prolongam-se numa infinidade de horas que não passam. A propósito de esperarmos o dia e o tempo atirá-lo para a ansiedade, depois a saudade, a seguir a lembrança, no final a memória. A propósito de precisarmos de tempo e as horas voarem. A propósito de chegarmos atrasados ao nascimento e muito tempo antes ao encontro final.

segunda-feira

Um dia chega, eu sei

No dia em que a mão me tomar a cabeça e a cabeça já não consiga dar ordens à mão não vou chorar. Significa que chegou o dia. E darei por esse dia todos os dias em que escrevi bocados de mim como pedaços inteiros de uma mulher que está para além do seu corpo. Nem sequer precisam esses retalhos de ficar por cá e mostrar aos demais que fui eu toda naqueles pedacinhos. Basta-me que eu os tenha escrito e entendido. Serão sinónimo de me ter conhecido.

domingo

Ao Domingo

Ao Domingo gosto de ficar na cama. Mesmo que já esteja completamente desperta. Viajo pela semana que me tapa. Conto-lhe os dias como bocados de tempo em que sobressaio ou esmoreço. Coso-os ao dia último e aconchego-me nesta manta de retalhos sentindo-lhe as costuras. Ora macias, ora ásperas. Não desperdiço nenhum remendo. Dos que menos gosto evito que me toquem a pele. Mas dos que aprecio imagino-os como um manto de seda. Amarelo-Sol. Como só os Imperadores Mandarim tinham poder para usar.

sábado

Inteira

Às vezes penso que devería arrepiar caminho e parar de escrever. Parar com os retalhos de mim. Às vezes penso que quanto mais escrevo mais me rasgo em pequenos pedacinhos e mais me perco de mim. Se cada bocado é já um todo onde está o inteiro? E se desse inteiro há escrita donde vêm estes pedaços? Dos sentires, digo eu. Mas não é verdade. Porque eu sinto inteira.

sexta-feira

Palavra-Peso

Há palavras que me fazem chorar. São bocados do meu interior. Como os pulmões ou o fígado, absolutamente indispensáveis. Há palavras que são orgãos. Reprodutores. A palavra faz nascer a palavra. Mas nem de todas as palavras retiro o choro libertador que leva a outros choros. Choro a palavra quando ela é faca ou quando é demasiado bela. Não se aguenta nem uma nem outra. E por algumas serem tão belas quase me magoam quando mas oferecem.

quinta-feira

Compromisso

Escrever implica um compromisso. Eu sinto-o. Assumi-o desde que iniciei o Todo e aos Blogados. Precisei de o fazer. Precisei de escrever para expurgar grande parte dos males que me atingem e que não são qualificados. Precisei, talvez, para me mentir a mim própria e achar que me tornaría uma pessoa melhor. Ou para que na mentira achasse as verdades. Ou para que das verdades lhe encontrasse a poesia de serem menos feias.

quarta-feira

É tudo mentira

Quando o homem inventou a palavra inventou a mentira. Inventou a palavra por causa da mentira. Depois tornou-se arte. E nasceu o escritor, o poeta. Só assim se compreende que o homem seja um bocado de verbo. Bocados de mentiras. Porque leio nalguns arte pura e conheço-lhes as manhas. Mentem tão bem quanto escrevem tão bem. Mas tirem-lhes as palavras e sobra nada. Nem um fiapo do que quer que seja.

terça-feira

Contra

Há coisas que não se ligam. Peças que não se encaixam. Por mais que se tente, por mais que se rodem e contornem não se juntam, não se adaptam, não se moldam. O esforço para as fazer servir uma na outra quebra-as. Rouba-lhes o inteiro. Sobram-lhe pequenos pedaços como membros que fazem falta para andar ou para abraçar. Assim há homens e mulheres que não se encaixam. Por mais que tentem. Até mesmo por mais que se gostem. De uma maneira ou outra a violência da insistência corrompe-os, rasga-os, rouba-lhes viço, tira-lhes os pedaços bons do encanto e descarnam maldade e pequenez.

segunda-feira

Forças&Vontades

Mesmo não sendo escritora preciso de escrever. Preciso de contar sobre emoções, sobre sentimentos, sobre sentires, sobre o desejo, sobre o porvir. Como o poeta. Mesmo sabendo que o faço manca, aos pedaços, há uma força maior que me atira de costas contra o papel e me agarra a mão, segura a cabeça e obriga-me a encarar as linhas que desenho como uma confissão do criminoso. Talvez peça um cigarro depois de assinar este texto. Talvez o faça como a última vontade. É sempre a última vontade. Nem sequer tenho força para lhe resistir.

domingo

Hienas

Também os outros me arrancam bocados. Da pele, do coração. De cá de dentro, os que mais doem. Bocados que não se veem. Mordem-nos antes de os rasgar de mim. Mastigam-nos, puxam e depois cospem-nos. À minha vista. Sugam-lhes o suco e largam-nos. Sugam-me o que sou. Bocados de mim que me fazem inteira e me deixam amputada. Levam-me pedaços, crescem-me lágrimas. Mas sendo estas instantes de pedaços não ocupam os buracos que me escavaram. Dói mostrar os nossos retalhos e separarem-nos do resto do todo. Vulgarizarem-nos pelos bocados.

sábado

Nascer das palavras

A propósito do nascer do dia. Do nascer do canto dos pássaros. A propósito de mim que nasço todas as manhãs com o dia. Que nasço todas as manhãs com as palavras. A propósito de bocados de mim que se juntam e fazem um novo ser num novo dia. A propósito de pedaços que se desprendem de mim e nascem livres como o canto dos pássaros. Como o canto das palavras. Como tudo o que nasce é belo, sublime. Mesmo que o seja por instantes e aos retalhos.

sexta-feira

Original-Mente

Originais. Únicos. Dos únicos as réplicas. As réplicas como outros originais. Os originais perdidos no tempo e na acção de quem os faz. De quem os atribui. De quem lhes dá o valor de original. As réplicas como mentiras originais. Que passam a ter valor de original. As mentiras das réplicas como prémios originais cujos originais não receberam prémios. A intenção do pecado e o pecado do original. Mentir sobre a originalidade da réplica e fazê-la tomar o sabor do pecado. Como único. Como uma mentira original que se torna uma réplica da verdade.

quinta-feira

Do todo e de metade de mim

Se um dia me perder de mim chamem-me. Digam que deixei bocados por aqui. Gritem por mim para os juntar ao que sou. Que não sou. Faltar-me-ão pedaços. Mas a ausência desses pedaços fazem de mim (também) aquilo que sou. Perdida por achada. Completa por repartida. E desses bocados espalhados que aqui deixei ainda lhes noto o que de mim sou. Sem mim e de per si. Então, eu sou metade do todo de mim e outra meia de bocados perdidos. Do todo e aos pedaços esquecidos.

quarta-feira

Até que a morte nos separe

Podem passar mil anos. Destes e daqueles que dizem já vivemos e havemos de cá voltar. É como um casamento. De vida. Com todas as discussões e beijos. Perdões e bater a porta. Um namoro contínuo. O da escrita. Estou certa que dela só me separo quando fechar os olhos. E mesmo assim há-de continuar a pairar na minha alma. À espera. E quando eu voltar não me hei-de lembrar. Há-de surgir. E eu volto a descobri-la. E provavelmente voltarei a escrever. E como da primeira vez que não recordo agora, hei-de voltar a afirmar que será como um casamento. Sempre renovado.

terça-feira

Arrepio(-me)

Arrepios de sensibilidade. Os que me parecem cortar-me como uma folha de papel. Ardem muito. Arrepios de frio. Os do vento e na boca do estomago. Dobram, encolhem-me. Arrepios de medo. Orgânicos, viscerais, artisticos. Os que me fazem a pele gritar. Arrepios de dor. Simbiose de tudo, amalgama de paixão e feridas. Saudades. O corpo a falar o silêncio do sentir. Bocados de pele que revelam alma.

segunda-feira

Sol de Inverno

Há nas saudades a dor. Mas também a inspiração do escritor. A do poeta. A saudade que se aninha no peito e se aquece de suspiros. E retribui nas palavras. Nas frases singulares. Nas simples que parecem nunca terem sido descobertas. De tão simples. Sempre as mais dificeis de transcrever do peito para o papel. Como um dia de praia no mês de Dezembro. Sol de Inverno.

domingo

Obssessões

Foco. Objectivo. Cegueira. Limitação. Prisão. Limbo. Faca de duas lâminas. Afiadíssimas. O punho dessa faca é um gume afiado que abre golpes na mão que a segura. No outro extremo a lâmina vai cortando pedaços. Dos retalhos da mão que empunha aos retalhos que manifesta na outra ponta não há diferenças. Obssessão. Peregrinação de uma vida. Sem milagres. Dos bocados dos meus sentidos, alguns cortei-os eu. Para sobreviver. Para manter a minha mão. Para poder escrever.

sábado

Águas

Tal como as correntes do mar que puxam para o oceano assim se renovam os caminhos da vida. Ainda rio com o som de criança. Mas já não rio das coisas de criança. Ainda sei correr. Mas deixo que o tempo me apanhe. Conheço as águas da chuva e dos mares. Conheço-lhes o doce e o salgado. Mas nenhuma mata a minha sede. Porém aprendi a navegar.

sexta-feira

Reencontros

A propósito das despedidas. E dos reencontros. Das surpresas que voltar a encontrar podem arrastar. Das lembranças. Do já sabido. Do que se descobre. Do novo no velho. A propósito das desconfianças e das crenças na mudança. De retalhos que se colam no presente mas sempre serão remendos. De recortes que se fazem agora para lembrar no futuro. A propósito de os juntarmos todos e confundirmo-nos no antes e depois. A propósito de fazermos dos reecontros O encontro.

quinta-feira

O novo e o velho

Encontrei esse amor antigo. Está velho. Era novo quando era o meu amor. Agora pergunto-me como foi o meu amor por este que não conheço. Mas recordo forte o que amei. Quero juntar o novo e o velho. Fazê-los um. Fazê-los agora. Talvez amá-los agora, de novo, com a mesma força de antigamente. Lembro no novo as juras eternas. Analiso no velho as banalidades. Desconfio das verdades do novo. Incomodam-me os olhares do velho. Amalgama de recordações, coração que não entende mas bate forte. Não me encontro.

quarta-feira

Mentir

Duas vertentes. As mentiras verdadeiras e as de caridade. As verdadeiras porque se objectivam. As caridosas porque humilham. Gosto mais de mentiras mentiras. Desprezo as de piedade. Surpreendo-me com as mentiras verdadeiras. Com os seus álibis. Com o engenho dos seus mentores. De tanto mentirem acabam a acreditar. Tornam mentiras em incontornáveis factos. Quase crenças. História. Venha a verdade e veremos quem vence. E por pena tornam-se as mentiras em verdades.

terça-feira

Saudades

Malditas. Que tanto magoam. Saudades do que já foi. Do que sabemos nunca mais voltar. Do que é bom e irrepetível. Das que sabemos haveremos de sentir. Saudades que atacam a três tempos. Passado, presente e futuro. Sentires que amachucam. Que até fazem chorar nos sorrisos. Que nunca se satisfazem. Que quase se desejam. Que fazem do poeta o poeta. Que me fazem escrever. Que me revelam. Que me fazem dizer não. Mentir.

segunda-feira

Menos/Mais

Cada vez há menos tempo. Tenho menos tempo. Encolhe-se a manta da minha vida. Já não me cobre toda. Desconheço para onde foi o que me falta. Talvez se tenha gasto no uso. Da vida. Das tristezas. Das cicatrizes. E se se gastou é capaz de ter levado com ela as feridas. O que quer dizer que o que sobrou é apenas a parte boa. A do riso. Poesia. Mereço.

domingo

Descanso da dor

E ao Domingo descansa-se. Devería eu fazer uma pausa. De todos os bocados dos dias que me bateram de frente. Que me aleijaram. Que me marcaram para que eu não os esqueça: que na Segunda disse adeus, uma mentira à Terça, uma ausência à Quarta. Por aí fora até chegar ao Domingo. Saber que neste dia não se fará dor. Fazê-lo um todo.Inteiro e feliz. Apenas feliz na simplicidade de ser diferente. Diferente por apagar os outros. Fazer dos outros retalhos que se excluem. Descansar. Só eu não me descanso das minhas memórias.

sábado

Dantes e depois

Do álbum de fotografias encontrei momentos. Revi momentos. Revivi momentos. Juntei-lhe pedaços de lágrimas. Construí novos momentos. Sempre farei outros nos momentos passados como um futuro certo. Em que os molho de lágrimas. Em que tudo será novo do velho. Menos as lágrimas. Reciclo momentos antigos na vã esperança de os aproximar novos. Porque os fertilizo. Nas minhas lágrimas. As choradas e as revitalizadas. Sei como são, sempre soube. Mas salgam a novo.

sexta-feira

Vida, essa trama

Da infância aprendemos por imitação. Mas em adultos aprendemos de bocados que nos restaram da infância e cosemo-los à experiência da dor e do riso. Fazemos uma manta que nos cobre e protege. Ou nem tanto. Que dos retalhos alguns alinhavámos. Descuidados. Despreocupados. E desses pedaços muitos não aguentam a pressão e esgaçam por tanto os esticarmos. Gastam-se. E nem mesmo da imitação do acto de os voltar a juntar e cozer aprendemos. Do quanto essa trama aguenta. Rasgamo-nos.

quinta-feira

Recortar(-me)-Parte dois

Há doeres que não compramos. São-nos oferecidos como um contrapeso. Pesam-nos. Fazem-nos dobrar pela carga. E ao tentarmos libertar-nos desse excesso, demasiado para o que possamos aguentar, vemos que se tornaram adesivos. Não largam. Acabam por se derreter em nós próprios e tornam-se parte de nós. Como um organismo parasita. Como um membro que não podemos dispensar ou sentimo-nos incompletos. Mesmo sabendo que se alimentam do nosso sangue. E o sangue mistura-se com a dor. E surgem novas veias. E se as cortarmos tentando arrancar o mal pela raíz, sucumbimos. Esvaímo-nos. Na nossa própria dor.

quarta-feira

Recortar-me

O sentir é um pedaço. Não me faz toda. Completa-me. Mas só por si não me constitui. Precisa dos outros remendos. O do corpo, o do olhar, o das mãos, o da zanga e da raiva. Então decido que hoje dispenso esse retalho. Mesmo incompleta não doerá. Mesmo que seja só por hoje.

terça-feira

A balança

Do bom e do mau. Do muito e do pouco. Dois pratos, uma balança. Dois extremos, dois opostos, dois hemisférios. Dois polos que se acompanham de mãos dadas pela vida fora. Vivem à vez. Precisam-se à vez para se viver. E serem um todo. Como um par, um casal, uma consumação para se ser e estar. E quando um dos pratos desaparece também o outro se desiquilibra.

segunda-feira

O muro

Semana após semana a vida vai-se fazendo. Como um muro que se constrói e se derruba no final da semana. Como a recuperar a liberdade. Como a afastar a inutilidade do muro levantado. Como a baixar defesas e a recuperar o que de verdadeiro se é. Como a refazer a vida e couraçá-la no que se há-de fingir ser.

domingo

Bocados de lua

Evito olhar a lua. Há lá uma melancolia que se pega. A mim. Às recordações. Torna-se saudade. Do que foi bom e das despedidas. Aviva, reaviva. Abre outra vez as feridas. Volta tudo como da primeira vez mas empresta-se-lhe a distância e tendenciosamente, acrescenta-se-lhe o encanto do que não se teve. Porque dos bocados queremos fazer o inteiro. Porque dos bocados se procura o que se gostaría de ter sido um todo. Como a lua. Mesmo em minguante ela está lá toda. Mas só vemos uma fatia.

sábado

Anjo da paixão

A paixão é como um anjo. Não tem sexo. Arrasa os dois géneros. Engrandece e lixa a vida a qualquer um. Embeleza o coração e apateta o semblante.É um anjo que domina, será do mal. É um anjo que liberta, virá por bem. É um anjo proletário, vai a todas. É um latifundário, come o coração. A paixão é imortal. E usa o velho ditado "elas não matam mas moem".

sexta-feira

A alma escrita

Dizem que escrever faz bem à alma. Eu digo que escrever é como olhar-se num espelho. O que se escreve é a nossa imagem. Mesmo sob a capa e chapéu de um pseudónimo. De uma forma ou outra sempre cai uma mecha de cabelo, o nariz sobressai. Que é como quem diz, acaba por se ouvir o bater do coração, por quem o coração bate. Escrever disseca, separa, exibe. Confronta. Deparo-me com os meus bocados. Aqui, nestes retalhos de escrita. E nem por isso sinto a alma melhor. Apenas a conheço melhor.

quinta-feira

O que

O que se diz e o que se sente. O que não se diz e que se sente. O que se diz e que não se sente. Três fórmulas mágicas para chegar. A ti. A outro. A qualquer um. Três pragmatismos silenciosos.
Que eu também já usei como verdades para mim, para ti, a um qualquer. O que te digo é o que vai dentro de mim. O que calo é tudo o que sinto por ti. Digo-to... pois, não te quero magoar.

quarta-feira

Robots

Era tão bom que tivéssemos um botão para ligar e desligar as emoções, os sentires! Um doseador que nos permitisse num conta-gotas pingar na medida exacta e proporcional ao que sentimos todas as dores e alegrias. Assim evitavam-se as lágrimas na despedida de um amor e os sorrisos tolos ao sentirmos o calor de um abraço. E assim se matava a poesia...

terça-feira

Ver-me

Às vezes sinto que ando perdida... de mim, quero dizer. Nado no meio das gentes, falta-me uma bússola para orientar o meu Norte, nadar em direcção a uma praia que me receba e me dê água fresca e frutos doces. Deixo-me ir, busco um reflexo nos que me acompanham nessa maré de gentes. E encontro-me ao ver-me no medo, na esperança, na alegria e na dor que esses nadadores sentem tanto quanto eu.

segunda-feira

Pedaços

Não quero falar de mim: quero falar de bocados de outros que fazem parte de mim. Que influenciam o que sou. Mas não sou eu, são pedaços de mim. Porque eu sou o todo, os outros também o são e a partilha dos meus bocados também moldam os outros. Parece que se perde o original... seremos todos pedaços uns dos outros? Não quero falar de mim, quero falar do que sou enquanto retalhos dos outros. É isso o sentido do sentir.

domingo

Despedidas

A propósito de despedidas. Destas e do que se diz nesses instantes enormes que decepam o coração. A propósito de mãos a acenar e bocas que se colam com se sugassem o ar armazenando-o em si para respirá-lo mais tarde. A propósito de outros gestos e frases feitas e pedidos normalizados que se cumprem como rituais. A propósito de postais que se exigem e que hão-de chegar, e depois rarear. A propósito do verbo ir e do verbo voltar. A propósito da palavra saudade que também se profere no reencontro. A propósito de despedidas e de reencontros, que partilham ruas de mãos dadas.