sexta-feira

Apagar

Dos blogados da vida os que mais custam a esquecer são os pedaços de caminho encolhido nos receios, nos pavores, nas deduções enferrujadas pelo achar que do outro lado haverá pedidos, compromissos. Não se apagam palavras. Engano de quem assim o ache. Até podem nem constar mais na sua forma escrita. Mas depois de terem sido ensaiadas, soletradas, dificilmente haverá pedaço de amnésia que as limpe. Isto a propósito do tempo passar. Isto a propósito da memória não ter tempo. Não esqueço os blogados do que se fez e os retalhos da minha mágoa dissipam-se num pano maior, o do passar a vida, mas sempre serão nitidas as costuras que os unem.

quinta-feira

A pensar morreu...

Lá diz o velho ditado e com todo o acerto. Que destas coisas de se achar que se pode pensar pela cabeça dos outros se vai direitinho a outro dizer popular cheio de razões: Saír o tiro pela culatra. Ou seja, se se acha que se pode decidir pela cabeça alheia sem consulta e aceitação prévia é bem capaz da coisa correr mal e explodir nas próprias mãos o que se entendeu não fazer diferença alguma. Mais ainda, se se socorrerem de justificação para si mesmos ao pensaram que agiríam bem ao determinar fazer, executar, alterar sem perguntar nada. Isto de se achar que os outros não se importam é mesmo de jerico, salvaguarde-se os asininos, que a pensar morreu o burro que se achou esperto.

Paciências

A propósito de paciência. A minha paciência encolhe à medida do aumento dos anos. A propósito de saber o que se quer e o que se rejeita ou até ignora. A minha paciência refina-se em cada bocado de contemplação e neste exercicio cada vez mais treinado, os bocados importantes tornam-se sumo, dos outros fazem-se cascas. A propósito de acessórios. Dispenso-os. Prefiro a inspiração da minha pequena paciência.

quarta-feira

Consagrações

A consagração de quem escreve faz-se todos os dias no jeito das letras deslizadas a tinta. Esse momento a seguir ao prelo é efémero, fugaz, leve e venenoso. Mas do engano faz-se a fama e se o amor não tingir o dia comum nas palavras que ensaia no papel branco triste herói será aquele que se julga eleito ao publicar.

domingo

Carências

Há muito que aqui não vinha. Não por me esquecer destes pedaços ou até de tentar fazer de conta que eles não existem. Foi outro comezinho a causa maior, uma cousa invisível que espreme os dias até se olharem no fundo do copo e com espanto, atingirem-nos apenas a gota. Depois as perguntas, esses retalhos de interrogações que nos atiram à parede: Que fiz eu de tão importante hoje? De tão grandioso que não tive tempo de me sentar, olhar lá para fora, escrever um pouco, viajar nas linhas de outros? Há muito que por aqui não confessava a minha carência de bocados apreciados no gozo do tempo demorado, deleitado, esmiuçado. Fizeram-me falta.