sexta-feira

7 irrepetíveis

Impressionante como o tempo galopa e nós que o acompanhamos, envelhecemos por ele, parecemos não dar conta de toda a bagagem que acartamos, dizemos tanto tempo e surpreendemo-nos, fazemos aritméticas no calendário e correram escorreitos... um pouco mais de sete. Refiro-me ao Blogados, note-se. Passaram estes anos todos - que não sendo muitos, não será pouco - e carrego na tecla do retrocesso: quero lembrar-me como era quando aqui escrevi a primeira vez, esforço-me por regressar àquele sentimento que me animou a contar do meu todo e dos meus pedaços, e embora saiba das razões, não me lembro o que senti, o que vi nas palavras que digitei para serem aquelas e apenas aquelas as escolhidas, a sensação retirada depois do escrito feito. Embora possa repetir à luz de hoje a leitura, hoje não sou a de há sete atrás. A grande descoberta do tempo passado é a incapacidade de o repetirmos, de o termos mesmo que se clone a respiração ao tempo desejado, simplesmente porque o actor já não é o mesmo.
 

sábado

Quantos dias faltam

Em menos de um fósforo chegou-se às férias. A dos outros, sublinho. Quando todos vierem confluír ao retorno hei-de eu partir, longe das confusões e das filas, já com ar fresco no final da tarde para apagar a canícula do resto do dia. Espero. Vem isto a propósito do que idealizamos e dos planos que se fazem e na prática, nem sempre aplicáveis. Facto incontestável é que a cidade acalmou, nem tanto pelo turismo que chegou como uma revoada, mas pelos nativos loucos de um Ano de trabalho, loucos pelo cheiro das férias à porta. Espero que o meu merecido tempo de repouso assim o seja, repouso sem ser uma projecção do que tanto imaginei neste mês de Agosto, desgastado e ansioso pela volta dos outros. É que tenho por experiência que quando se deseja muito uma coisa, alguma coisa vai correr menos bem. Ou serão apenas os meus bocados mais sombrios a sobreporem-se à claridade dos dias contados pela cidade.
 
 

sexta-feira

Fora de tempo

Há uns tempos acordei com um som familiar que me trouxe belas recordações da minha infância. O fim de semana passado, esse som regressou. Era o amolador. Mas fiquei a pensar, que nos meus tempos de menina, essa figura surgia perto do Outono, porque sempre tenho memória daquele lamento do seu apito longo, quase árabe, quando a escola já abrira as portas e o velho ditado a acompanhar sobre o amolador a chamar a chuva. Agora, vem em pleno Estio. Tempos de crise estes, que obrigam a desviar as minhas recordações e a pô-lo a acordar-me sem norte, tentando vingar a oportunidade na canícula, sem dó nem piedade. Para ele e para os demais que tentam colar no álbum do tempo a figura de um som mágico e poderoso, quase temido. É caso para que se diga, o fio da navalha, ausências de estações, ausências de emprego.
 
 

sábado

Luz, luzes

Devería o Sol estar em concordância absoluta com a disposição dos dias, quero eu dizer, se há tanta luz e tão bela, porque razão sai o dia coxo e entro eu em casa carrancuda e de mau-humor? Acresce que na impotência de conduzir todas as soluções para todos os problemas, alguns, uns quantos, devidos à má educação de muita gente e do autismo com que se condecoram, pergunto-me que lhes terá acontecido no percurso da vida para se tornarem tão sombrios por dentro que acabam a manchar a luminosidade dos dias dos outros. Vem isto a propósito, de que essa escuridão não se extingue com o afastar desses quantos. Arrasta-se atrás de nós, diga-se de mim, que trago estas interrogações para casa, algumas vezes para a cama, e incrivelmente, me alumiam noite fora mantendo-me desperta até o dia raiar. Se crente fosse, hoje acendería uma vela ao santo e pediría por eles. Haja luz para quem perdeu a candeia.

 

quinta-feira

Conselhos

Guardo religiosamente para mim estes bocados. Não são segredos, não são intimidades, não servem de confessionário, mas são um exercício de escrita e de auto-reflexão. Apanhada um dia destes a rabiscar algumas considerações não sobre os blogados, mas sobre um texto que aqui não vem ao caso, dizia o "intrometido" com ar surpreso, que não fazia a mínima idéia que eu escrevia. Que só me sabía leitora, pois sempre me vía com um livro. Mas já que me tinha descoberto o segredo e até me denotava qualidade, que eu aceitasse uma opinião de um leigo. Pois não, por quem sois. Um leigo. E eu, não sou escritora. A partir daqui, passou mais de uma hora em que debitou um discurso sobre ele mesmo, as sua capacidades de escrita - que eu desconhecía - e que eu tomasse como exemplo os erros dele e não caísse nas mesmas tentações, que até tería o maior prazer em mostrar trabalhos seus, combinarmos e ajudar-me nesta tarefa se eu entendesse levar este caminho de forma mais séria. Não sei se o meu rosto denunciou a minha surpresa, o meu enfado ou simplesmente mandou uma mensagem a dizer vai-te embora. Sei que assim que ele partiu, rasguei a folha onde havía escrito o esqueleto do texto e que para mim não tinha a menor importância até ele o ter lido. Depois, era um pedaço de papel conspurcado que atirei para os reciclados.
 

sábado

Festa&Arrependimento

Há um pedaço de mim que diz para não me incomodar, ser civilizada, e outros blogados, talvez básicos, que se enfurecem e gesticulam, fazem aliás, tanto barulho quanto o vizinho que a deshoras permanece numa festa, bate com os pés, as palmas, gargalhadas, música em decibéis proibidos. Serei só eu a mais os meus bocados a revoltar-me ou os outros vizinhos estarão acaso surdos que não escutam o projecto de Dante que vai no prédio? Justiça feita, alguém chamou a autoridade e o fim da festa para uns foi o começo de uma noite santa para outros. Mas não para mim. Que fiquei a remoer neste conceito. Ou talvez não, que provavelmente a adrenalina da ira já me tinha afastado de Morpheus. O que seja, mas vem isto a propósito, da festa do vizinho e da sua alegria. E da minha prisão e dos demais condóminos desrespeitados nas suas liberdades de descanso à 1 da manhã. Quem celebra a hora tardia decerto deve ter motivo assaz forte para o fazer. Uma certa dose de remorso tomou-me a meias com o dramatismo de uma cena fabricada na minha mente pelo vizinho a ser levado pelo agente policial, algemado como um criminoso, enquanto nós, os outros batíamos palmas. Onde começa a liberdade e termina a festa?
 
 

quinta-feira

A euforia do passado

A estranha melancolia das memórias tem o condão de nos passar um véu pelos olhos e mistificar as realidades. Mesmo que seja o próprio a puxar pela cabeça e a recordar os momentos por que passou. Vá lá saber-se porquê, mas há a tendência de dourar a pílula e contornar os pormenores, deixar os ângulos menos bicudos e visualizar a cousa sempre de um forma mais doce. Vem isto a propósito, de em certas alturas lembrar-me de cenas do passado, sejam elas de há anos ou da minha infância, e uma nebulosa cortina aqui e ali, nalgum instante, aparece, provavelmente no inconsciente, que me faz duvidar se foi ou não, faço retrocesso, depois avanço, mas numa fracção de tempo, um segundo, há uma hesitação em que a duvida se instala porque não há certeza se efectivamente foi mesmo bom ou mal assim. É quase uma euforia, um borbulhar. E depois sigo no desembrulhar dos pensamentos, fluidamente. Mecanismos do cérebro, partidas de quem se ocupa a escrever blogados, tenho para mim.
 
 

Fortuna&Mérito

Depois do dia ter corrido surpreendentemente bem, mas mesmo muito bem, sentei-me dedicada a estes bocados de mim e frente ao vidro luminoso do monitor, que me parecia sorrir, emperrei. Dissertar sobre o quê? Apercebi-me nesses minutos que a sensação de felicidade ou até de boa-sorte que me tinham acompanhado durante a jornada, tinham-me retirado a capacidade de dissecar sobre os blogados, quiçá de me lastimar, uma fortuita condição de que raramente gozo e muito provavelmente, a maioria das pessoas. Será então o propósito do Todos e Blogados um muro de lamentações, um confessionário? Bastou o dia ter corrido de feição, sem nada de contrariedades, ter andado solta e feliz e a imaginação, tema e palavras terem-se escoado para um infinito pardo impossível de recuperar? Esta essência fadista será mesmo verdadeira ou à força de tanto a dizermos interiorizamos o seu sentido, tornamo-nos descrentes do mérito da nossa sorte e deixamos a distracção embalar até passar a sensação de euforia.
 
 

domingo

Doce blogado

A propósito da Páscoa e destes pedaços de escrevinhação, ou melhor, a propósito de ressuscitar e conseguir ainda sobre o que ter que falar/escrever, um todo que se fragmenta, ou reformulo: O que apurei de mim, o que depurei de mim e tentei melhorar e nada se aproveitou e então serão estes blogados uma pura perda de tempo, um mero exercício de tinta no papel, ou nem isso, que aqui é tudo virtual e assim sendo, apenas a conta da electricidade é que cresce e eu como ser humano em nada me transformei depois que me atirei a este exercício desde que o iniciei. Mas sou crente. Sou uma verdadeira acreditadora ( esta palavra existe?) que todo e qualquer treino - como encarar estes blogados? um todo ou a justificação das partes? - terá sempre um beneficio, e mais que não seja o da escrita, a prática do verbo, a ginástica cerebral e a musculatura dos dedos ao teclado. É uma visão optimista. Talvez demasiado açúcar das amêndoas. O blogado doce a imperar.
 
 

terça-feira

HH

A crueza da vida não é termos a certeza de nascer e morrer um dia. É durante estes dois pontos, alguém nos ter feito uma marca que impressionou e que na partida, deixa um vazio difícil de suportar. Não é hábito meu aqui falar das mortes alheias. Nem mesmo daqueles que me são apetecíveis, bocados de mim como os entendo, um todo rico em que me faço aos lê-los, visitá-los na sua arte, nas suas artes, porque não só do mundo das letras estes homens e mulheres que me impressionam pertencem, mas nesta triste data em que Herberto Helder morre, um pedaço da minha fortuna se delapida ao pensar que do seu tesouro mais fatia alguma me encherá para alimento. Satisfaço-me da obra feita e retorno ao que conheço como se da primeira vez aí fosse. Contrariamente a ele, agradecida pelo prémio deixado. Obrigada Herberto.
 
 

quinta-feira

Eclipse

Apesar de estarmos no séc.XXI, estas coisas das estrelas e dos astros continuam a fascinar a humanidade com o mesmo mistério e intensidade. Claro que já ninguém (pois não?!) atribui os eclipses a obra do demo ou truques de magia, mas a dimensão do inalcançável ou o conceito em si do homem na terra e o Sol ao alto e a Lua no céu, faz com que o desejo da distância se encurte mas por outro lado se mantenha o imaginário. Porque afinal, do homem é o sonho, a fantasia. Vem isto a propósito, da necessidade de se querer compreender sem tirar o brilho do desconhecido. E esta dicotomia que anima o engenho, enquanto não se descobre não se sossega e depois de desvendado outro tanto se pergunta. Não vi o eclipse. Guardei para mim a lembrança de menina quando tinha que esfumar um pedacinho de vidro com uma vela, fechar um olho e olhar com muito respeito com o outro. Blogados de inocência.
 
 

domingo

Flores

Dia Internacional da Mulher. Vou descendo a rua e vem uma senhora com um rasgado sorriso e oferece-me uma flor. Agradeço e junto-a ao meu livro. Há grupos de homens e mulheres felizes a distribuírem flores pelas mulheres que passam, vão dizendo Dia Internacional da Mulher. Quase todas as mulheres que se cruzam comigo transportam na mão uma flor. Sorrimo-nos. Mais adiante, um cavalheiro atravessa o passeio e vem oferecer-me uma flor, exibo a que tenho e sorrio, ele insiste e eu aceito, dizemos Dia Internacional da Mulher. Dirijo-me ao café onde habitualmente vou aos fins de semana e desta vez quero ser atendida na esplanada, não que seja apreciadora de tais sítios, mas gosto de ver homens e mulheres felizes a distribuírem flores.
 
 

Alarmes

Há dias, mais propriamente datas, que nos fazem disparar alarmes. Hoje é um deles. Mas por mais que tente lembrar sobre o quê, que tenha procurado na minha memória, virado a agenda, buscado em alertas nas diversas app que a tecnologia nos disponibiliza actualmente, nada achei. Ainda assim, estive toda a jornada com a sensação que alguma coisa muito importante se me escapava e que iría pagar uma factura qualquer por esse esquecimento. A mente tem destas coisas, partidas que nos prega pela lembrança de um facto ou comemoração ou apenas um sinal que deixa. Só não me recordo de recordar. Triste. Se ao menos estes blogados me dessem uma pista... Mas nem mesmo estes pedacinhos se fizeram anunciar de arauto para uma pequeníssima luz que me avivasse a memória, porém a sensação de falta está cá. Talvez amanhã, quando já não for preciso me lembre. Como um objecto perdido.
 
 

terça-feira

Ter e não querer, não poder e desejar

Nunca fui dada a essas coisas do Entrudo. Nem mesmo em criança, quando todos se apresentavam orgulhosamente figurados de piratas e princesas. E não foi porque a minha Mãe não o tenha tentado, a exibição de folhinhos e pérolas ou até a sedução de cores que a imaginação infantil é levada a criar nas histórias em que se torna a personagem principal seríam uma boa razão, mas sentir-me o centro das atenções era a vontade da fuga. Assim, mantive-me sempre num canto, tomada por aquela que era diferente porque não estava mascarada. Era apenas eu. Mas passados tantos anos e chegada até agora, aprecio-me nestes blogados como uma fantasia. Talvez porque as cores perderam o brilho e já ninguém liga a Carnavais. Ou talvez porque passou o tempo das máscaras de vestir e tirar e eu sinto saudades dos argumentos da minha Mãe. Vem isto a propósito, do que já não se pode ter e queremos, do que tivemos e não quisemos então. Outras fantasias no presente, outros bocados se põem em cima.
 
 

sábado

Às vezes

Tenho vezes que sinto que a minha oralidade é escassa para expressar as minhas intenções, e não o digo referentemente a sentimentos ou sensações, refiro-me a coisas tão banais como pedir um café curto ou um pão bem cozido com manteiga e cortado ao meio. Invariavelmente, este tipo de indicações é ignorada por quem me escuta, ou melhor, por quem não me ouve, porque não atendem aos meus pedidos e quase - quase - parecem vir servidos no sentido contrário. Se reclamo, olham-me calados com olhos de quem está ser alvo de injustiça; Se nada digo, acabo a comer o que não gosto, mas sou eu que pago. Vem a isto propósito, da minhas mensagens orais, do meu discurso. E se não sou bem interpretada verbalmente, como posso esperar que estes blogados de escrita não passem do mesmo mau entendimento, um desacordo entre o todo e as partes?
 

sexta-feira

O problema é da luz

Ainda no inicio do Ano e já o cansaço como se o meio deste se abatesse aos ombros. Cansada do dia, da semana demasiado comprida, este mês que não há meio de se findar. Incomodada com todo o enfartamento, confessei a um amigo este padecer e ele, pragmático silenciou-me: O problema é da luz. Ou melhor, da falta desta, da luz do sol, de mais horas de exposição à famosa vitamina D ou há quem lhe chame vitamina F de felicidade. Vem a isto a propósito, dizia-me ele, não de cansaço mas de se sentir necessidade de saír da hibernação e florescer, romper a terra e vir ao mundo de novo, ver a luz, renascer. Que eu não ligasse que isto ía passar. Espero. Porque continuo a sentir-me cansada. Até de mim. E cansada de estar cansada.
 

quinta-feira

Da escassez e da abundância

Da abundância dos primórdios dos blogados deixei eu - ou deixou o tempo em mim ou eu permiti que o tempo marcasse lugar - que a quase ausência se fizesse impor como se este bocado de espaço ( que sendo virtual, dir-se-ía nada ocupar, logo inexistente) pouca ou nenhuma importância tivesse. É facto que do real e até das palavras impressas nos livros, me relaciono mais e melhor, mas incontestavelmente verdadeiro o é também que sendo meu este todo, pelo menos um pouco de relevo tem, ou eu não o tería dado ao nascimento. Vem isto a propósito, do que nos faz falta e do que foi em tempo, perdido ou situado, imprescindível, e que vai a ver-se no dobrar das horas e hoje, ao entrar no novo Ano, com abundância de outras leituras, enjoada recusei, para voltar saudosa aqui, nostálgica dos meus pedacinhos e reconciliada para tão logo me sentir ao quase pedir-me perdão.