domingo

Partidas

A propósito de memória. De retenção do passado. Não necessariamente de um passado longínquo. Da peneira que o nosso cérebro agita para escolher o que lhe interessa manter e cuspir para fora de nós evitando ocupar espaço com lixo. Ou talvez não. A propósito do que achamos ignorar e de um dia para o outro aparece-nos ao virar da esquina e volta a surpreender-nos. Coisa antiga com aspecto de novo. Ou talvez não. Talvez a tivéssemos atirado para uma arrecadação mal alumiada e na busca de outros momentos ela apareça por estrear. Mas com cheiro de mofo. A propósito dos nossos propósitos em acharmos que comandamos as recordações e só ficamos com umas quantas. E ainda das partidas que elas nos pregam quando sensibilizados por factos recentes nos mentimos a dizer que nada mais nos pode tocar.

sábado

Da pena

Não me perguntem porque escrevo. Para além do amor às letras, claro. Mas qual a alavanca, o botão, o despertar, o tema e até o sujeito, escusem-se: não sabería responder. Ousaría uma coisa tão banal como porque gosto. Mas também porque preciso. Para me exorcizar. Para dar escoamento ao que vai cá por dentro, para falar por outros, por mim também, é o meu quimico viciante. Sem direito a desmame.

sexta-feira

90 sentidos

Quase 90 dias decorridos tantos bocados de sentir, de sentidos, de fugas ao evidente e ao todo facilitado pela afirmativa ou pela negativa, duas alternâncias para bem viver. Mas só aos pedaços, que do todo, cada vez mais creio, se entala entre verdades inexoráveis do pensamento e os cambiantes têm tanto peso quanto o falso e o verdadeiro. Não se trata de agradar a Gregos e Troianos, é muito mais tornar maleável e até moldável aquilo que somos em quinhões repartidos por fases da vida e do sentir. No fundo, o todo não acontece lá para os 100 dias nem para os mil nem aquele que não sabemos o número. O todo faz-se aos bocados, etapa por etapa. O que significa que por aqui me manterei a juntar os meus todinhos.

quinta-feira

A besta bestial

De um vértice ao outro. No tempo de um pensamento. No tempo de um juízo. Na criação de um homem em deus e na transfiguração deste na besta. Do lugar de pedestal ao rastejar da lagarta.
Tão rápido se constroem heróis quanto se apedrejam as suas estátuas. Bocados do mundo. Bocados do homem.

quarta-feira

Mal entendidos

A propósito do que se disse e foi lido às avessas. Do que se escreveu e foi entendido por linhas tortas. Do que se pretendía dizer e por uma pontuação fora do sitio torna o sentido da frase alheio à intenção inicial. E simples. A propósito da cabeça pregar partidas na velha máxima de que o melhor ataque é a defesa. E tudo o que era simples transforma-se num bocado de mal-entendidos. Que deixam sempre uma pequena mancha e que alastram pelo todo sem benzina capaz de lhe tirar o sentido.

terça-feira

Citadores

Leio frases de citadores e pergunto-me da razão que levou a proferi-las. Não duvido da sua grandeza. Ou não fossem citações. Mas questiono-me no meu interior sobre a validade de tantas afirmações que não passaram de palavras levadas pelo vento. Ou melhor, por uma tremenda ventania, já que da teoria à prática vai o outro lado do mundo e mesmo concordando com algumas e discordando com a maioria não vislumbro concordia entre os verbos. Ser e Estar.

segunda-feira

Reacções em cadeia

A propósito de atitudes. E de reacções. E ainda de choques em cadeia. E do que provoca uma única palavra dando consequência a um quase tumulto. A História está cheia destes exemplos. Mas a vida comum, aquela que passa despercebida, enche-se destas palavras solitárias, soltas no virar das costas ou no ponto final de uma conversa. A partir daqui desancadeia-se uma reacção que não tem regresso. Mesmo no pedaço do perdão o que sobra é o todo como produto, com sustância, como novos bocados que alteraram o curso da estória e até mesmo das suas personagens.

domingo

Insónias

A propósito de pouco dormir. Da insónia que agarra o pé e não larga mais. A propósito da insónia dos sentires. Da que agarra o (estupor) do coração e nunca mais o larga. Das insónias da vida. Dos pedaços que nunca poderemos fechar os olhos e esquecer. Ou fechar os olhos e rever de tanto que foi. A propósito de noites brancas que agarram o coração e o espremem entre olhos fechados a saudade que temos de coisas que nem sequer nos lembramos.

sábado

Fácil/Dificil

Penso que mais fácil sería aqui publicar o que gosto. Não de mim, quero dizer. De outros. Imagens, poemas, frases, sabedorias. Continuaría a socorrer-me da boca de outros e da sua arte para falarem por mim. Talvez, esconder-me, proteger-me até. Que esta coisa de se escrever sobre o que vai dentro de nós fortalece o próprio mas facilita o caminho dos outros até nós mesmos. E dificil, dificil é ver para dentro. Mergulharmo-nos. Pegar em cada bocado e dizer sou assim. Para nós mesmos.

sexta-feira

Crepúsculo

Se o dia se esconde mais de mim se revela. É nestas horas que gosto de sentir saudade. Que gosto de levar à boca os pedaços de memória e ficar a derretê-los lentamente. De lembrar de sons e cores, rostos e palavras. De conversar com o todo que me deram nos pedaços de vida partilhada a cada tempo certo. Tudo tem um tempo certo, mesmo que não pareça. A prova disso é este tombar do dia como se fosse todos os dias o derradeiro. Acho sempre que não voltarei a vê-lo. E no entanto... novos pedaços de mim lembrar-me-ão quem sou.

quinta-feira

Alvorada(dos meus sentidos)

A alvorada tem uma beleza incomparável. Não é só um bocado de dia a nascer. Não são só vidas a espreguiçarem-se para iniciar uma nova jornada. É sim, um pedaço lânguido e morno que se estende e toma conta do mundo. Devagar. Com suspiros e tremuras. Com cores sedutoras que de uma pequena paleta banham o todo. E eu, sendo bocado, molhada por esses pastéis docemente tingidos passo a ser um todo, também.

quarta-feira

Avassalador(mente)

Impressionam-me as paixões avassaladoras. Pela sua força. Pelo seu fascinio. Por muitas das vezes, arderem tão rápido quanto o lume vivo que as ateia. Não as minorizo ou troço. Apenas não as entendo. Deve ser por isso que me sinto atraída pela sua observação. Mas não as quería para mim. Consomem carne e afectos e da cinza só vejo dor e mágoa. Não é regra, mas em todos os casos há sempre gente chamuscada.

terça-feira

Estórias

Por várias vezes me tem caído a pena para a tentação de contar o inexistente. Reformulando: o sonhado, o desejado. Bastar-me em pedaços de encantamento não me faríam decerto mais encantadora ou mesmo sedutora. Porém, faríam de mim uma mentirosa sedutora a quem as estórias inventadas daríam de si (leia-se mim) a repercussão de um todo pelos bocados do que todos desejam para si. Riqueza, beleza e saúde, o que todos almejam. Eu também. Mas juntar delirio ao que de bom e belo tem o sonho sería uma história de leviandades e de todo prejudico uma estória aqui e ali pontilhada por bocados de verdades menos bonitas do que a alucinação maníaca de impressionar pela mentira bem contada.

segunda-feira

Parar ou não, eis a questão

Se parasse agora com estes blogados ficaría com a sensação de coisa inacabada. Não que o seja se persistir nesta caminhada de encontro a mim. Não que fosse eu inacabada antes de me ter atirado a esta aventura de me esquartejar. Não que a aventura seja separar pedaços e misturá-los e dispô-los de outra forma. Mas que os blogados são viciosos e quanto mais distintamente arejados mais outros blogados nascem desses. Somos um caleidoscópio.

domingo

Esperar e adiar

Muitos pedaços de espera. Muitos bocados do que se aguenta à espera de alguma coisa que sabemos nunca há-de vir. Adiar para o dia seguinte mais uma espera. Hoje não, amanhã espero. E depois e ainda nos outros dias em que se aguenta inutilmente pelo que não chega (e sabemos) mas inventamos para que haja a idéia de que sempre virá melhor. O todo. Aguentar pedacinhos de nada na esperança de chegar ao tudo. Um dia. Um dia chega. Um dia não se adia mais o sonho porque não se espera mais nada.

sábado

Mamíferos

A nossa condição animal impossibilita-nos muitas vezes e perante um perigo inesperado de pôr a lógica a escudar-nos. Fugimos ou atacamos consoante a nossa posição, seja de presa seja de predador. Despimos o erectus em frente a uma ofensa verbal e corporal e reagimos no imediato primário da revolta ameaçando o intruso com o nosso tamanho ou a qualidade linguistica no vocabulário sacado do escárnio e dos apontamentos da deficiência fisica ou até mesmo da falta de garante na continuidade da descendência. Mas quantos bocados de mamífero somos nós perante o deslumbramento do nascer do sol ou a queda deste a humedecer a boca aberta no espanto da grandiosidade do que nos ultrapassa? Dizem que é sensibilidade. Eu acho-lhe animalidade. E sinto-me feliz neste pedaço de mamífero que me compõe.

sexta-feira

Feriados

Deveríamos fazer folga de nós mesmos. Aborrecimentos, contrariedades e desapontamentos num feriado ao sol à beira-mar ou soltos na ventania do topo da montanha. Esquecermo-nos do que sentimos, escarafunchamos e insistimos mesmo sabendo de antemão que o buraco que se abre apenas rompe mais o bocado da ferida. Que ao todo são muitos os pedaços de nós que se auto-infligem castigos por termos a capacidade do sentir. Feriado dos sentires. Dos afectos. Não deixar por um dia que fosse que nos afectem. Perder a memória. (E recuperá-la à meia-noite).

quinta-feira

Carrocel

As dores que achamos nunca sofrer são as que mais nos mistificam na vontade de as sugar e de tomar no silêncio das noites em branco. Não as percebemos. Não as sabíamos nossas. Atravessa-se uma saudade imensa do que nunca vimos e o sentimento amargo da despedida instala-se. Não sabemos a quê ou a quem acenamos, por quem choramos, porque nos magoamos na insistência do pensamento levado num túnel, apertado, cilindrico, sem outros pedaços a que nos agarrar e dizer pára. E quanto mais queremos parar mais os bocados se juntam num todo e andamos à roda, à roda, à roda...

quarta-feira

Garimpar

Gosto de mistérios. E de surpresas. Gosto da surpresa que o mistério me traz. Gosto de desvendar. Escavar. Ir limpando pequenas impurezas como artefactos que servem para distraír o trabalho de garimpa. Há vezes em que se escava muito. Demasiado e até à desistência. Mas a teimosia e a intenção sempre acabam por revelar alguma pequena ponta de uma pedra preciosa que se esconde no meio dos carvões. Depois é lavar, escovar, deixar a luz do dia reflecti-la nas cores prismadas. E aí novamente surpreender todos os mistérios.

terça-feira

Um delirio de vez em quando não faz mal...

Relidas todas as palavras aqui deixadas, só me resta pensar que de muitos bocados sou eu feita. De todos aqueles que aqui ainda não falei. Seja de mim, seja do cenário. Leia-se a vida. Não como um todo, mas uma parte do mundo, a minha, um bocado do mundo é também meu pertence. E mesmo que gozando de epíteto sarcástico, atrevo-me no prazer de achar que o mundo no seu todo diferente sería sem o pedaço de mim.

segunda-feira

Do perfeito

A propósito de imperfeições. De coisas mal acabadas. Ou mal acabadas por mal começadas. Ou pelo tédio em que se tornam. Ou pela expectativa gorada. Ou pela hercúlea vontade que dê certo o que quase anti natura se observa desde o inicio e se mascara tão só pelo desejo que fosse perfeito. O perfeito é apenas um bocado. Maior é o imperfeito. Que se do todo se achasse a perfeição, a imperfeição sería a perfeição e sem os bocados para provar tragaríamos todos comuns afectos e a palavra amor não tería sido inventada.

domingo

Fábrica do(s) tempo(s)

A arte de se fazer do tempo aquilo que quisermos é um dom que atinge poucos. Pedaços de horas equivalem a um todo que preenche e dilata a vida para além do bem-estar do fisico e da bonomia dos afectos. Segrega-se de um naco um alimento nutritivo que aconchega como um todo. Duplica-se a capacidade de amar e odiar. Fabricam-se engenhos que por sua vez geram mais tempo e deste pedaço (que não é o todo da vida) consolam-se sonhos, desejos. Tanto. Que passam a ter estatuto identificativo do que tem o dom.

sábado

Bocados de coragem

Há vezes em que a coragem leva-nos a juntar os pedacinhos que restaram de nós. Seja no desgosto, no medo, na aventura do amor. Leva-nos a actos tresloucados e suicidas. A rasgos de genialidade e do ridiculo. A gritos filantrópicos e a um uso muito singular do pragmatismo. Destes bocados fazem-se lendas. Piadas jocosas. Exemplos de vida. Mas na verdade nada do que possa soar tem a dimensão do todo que se constrói façanhudo e se aventura de peito aberto na exclusividade de previamente se ter colhido o que parecía tão pouco para fazer tanto.

sexta-feira

Amor & Poesia

A propósito do amor. A propósito de chegar, instalar-se e dispôr da vida das pessoas. Sem apelo nem agravo, sem dó nem piedade. A propósito de dizerem que ele move montanhas. Mas não move ninguém que não esteja na mesma sintonia do enamorado. A propósito de desencontros do amor. Ou dos amores. Ou daquele que ama mas não é amado. E aquele que não ama ama outro alguém que também não o ama a si. Se tudo fosse perfeito não estaríamos a apanhar os bocados deste triângulo. Faríamos com que o amor juntasse o que ama àquele que não ama o que ama e também não ama. E do que restasse far-se-ía um poeta.

quinta-feira

Morrer duas vezes

A propósito de despedidas. De despedidas sem se ter dito adeus. De despedidas com discursos ensaiados e que se perderam no espaço e no tempo e também no voltar das costas. Despedidas ignoradas. A propósito de despedidas que deixam um travo amargo na boca mas os dias e as noites encarregam-se de o dissolver na saliva de andar para a frente. A propósito de um dia e apenas nesse dia se voltar ao ponto de partida. A propósito de tudo voltar até ao último som da palavra proferida. Destinos chamam-lhe. Retomar o ponto de ruptura.

quarta-feira

Plena e completa de pedaços

Arrisco-me a perder bocados de mim se investir no objectivo de isolar o todo. Afinal o todo não é a soma de todos os pedaços. Estes são a soma de mais mil e um. Mil e um sentidos e sentires e dares e dádivas do tempo e de gentes e de amores e de corpos e de aprendizagens que se fazem aos solavancos mas sem ressalto. O todo é o fim. É a cauda de muitas metades que trouxemos na nossa bagagem e nem nos apercebemos. Quero um pedaço inteiro de mim que se faça de todo. Seja por um dia, seja por um século. Esse bocado é completo.

terça-feira

Surpresas

O bom da surpresa é ela surgir ao dobrar a esquina e estalar-nos na cara. Em cheio. Quem dispara é o coração. A surpresa anda de mãos dadas com o bom, o feliz, o amor. Das surpresas desagradáveis não se arranjou designação mas eu chamo-lhes desilusão. Tirar a ilusão. Caír a decepção na vez do coração aos pulos. Em cheio na cara.

segunda-feira

Mar de mim

Atirei-me a estes bocados como um todo armado em tábua, não de salvação que essa não se agarra assim e aqui, mas de uma tábua que me desse amparo aos braços até nadar salva à praia do meu todo. Porém, guiam-me as marés para dentro de mim mesma e quanto mais nado e me impulsiono para chegar a porto seguro mais pedaços de mim recolho nesta navegação pouco própria, descuido correntes e afasto-me do objectivo. Canso-me a juntar estes meus bocadinhos e perdida no tempo deixo que a noite caia com todos os perigos da cegueira de não me ver na escuridão. Nado mas já não sei para onde. Quase me divirto em floreados com as mãos ou o grotesco das pernas e pés ampliados e distorcidos por tanto mar. Mesmo que não chegue pelo menos conheci-me de outra forma.

domingo

Causa/Efeito

Por causa de dizermos sim. E não. Com a boca e com o querer. Por causa de dizermos nunca mais e sentir nunca mais e voltar a acontecer e saber que diremos sim. Por causa de dizermos não e ansiar que nos forcem (um bocadinho) a dizer sim. Por causa da vergonha de dizermos sim e acenarmos não por não haver coragem no som das palavras em dizer sim. Por causa de tantas vezes dizermos não e acabar sem saber o paladar de aceitar. Por causa de orgulhos engolidos estupidamente como nãos ou a vénia vexatória de não termos resistido ao sim. Por causa do que somos e do que tememos pensem de nós. Por causa da causa dos sins e dos nãos.

sábado

Conjugar o verbo ser

Somos o que já éramos. Mas não somos mais o que fomos. Nem seremos de novo o que estamos agora a ser. Estes bocados temporais que derrotam corpo são-no muito maiores onde não se vê. A consciência de trazer atrelado o pedaço do passado não nos altera mas ajuda a entender o que poderemos vir a ser no bocado do adiante. O herói que hoje somos chorou no silêncio do escuro e amanhã dará a mão ao velho que se encaminha para a última rua.

sexta-feira

Perdoar&Amar

A propósito de perdões e de amores. A propósito do perdão do pecado pelo transcendente de saboroso que contém. A propósito do perdão pelo pecado alheio. A propósito de perdoar na proporção do amar. E ainda a propósito de não perdoar por tanto se amar.