sábado

(O meu)Telhado de vidro

Não sei se da vida que levamos, não sei se da vida solitária a que alguns mesmo acompanhados se sentem, tenho vindo a reparar que a maioria das pessoas comporta-se nas suas actividades comuns com um tique. Entre os afazeres que desenvolvem, lá estão elas a pigarrear naquele tom especial ou a coçar o lóbulo ou a afagar o lábio superior ou a beliscar a sobrancelha furiosamente. Não são gestos isolados e ocasionais, são repetições que acontecem dentro do mesmo quadro, cenários que já sei quando têm lugar, uma espécie de manias. O curioso, é que fora isto, são absolutamente normais, dentro dos parametros entendíveis como "normal". Vem isto a propósito do que é sujeito ao standard e o que é desvio. E questiono-me: qual o meu tique? Qual a minha normalidade? Pois se os demais não se aperceberão dos seus pequeninos "defeitos", também eu não terei a capacidade de ler os meus. Serão blogados de mim? Ou farão estes pedaços um todo absolutamente necessário para me constituír enquanto existência de um ser?
 
 
 
 

quarta-feira

Tubo de ensaio

Há um par de anos, um norte-americano lembrou-se de fazer uma peregrina experiência de se alimentar durante um mês seguido apenas e tão só no MacDonalds. Em mais nenhum outro sitio de restauração ou/e em sua casa ele tomou as principais refeições e colações durante trinta dias seguidos. O resultado para aquela alma - e digo-o com propriedade, pois ía quase desta para a melhor - no final deste brilhante ensaio, revelou que a alimentação daquele sitio não é indicada para manter uma pessoa saudável. Ocorre-me um adjectivo: Genial. Vem isto a propósito da Troika querer baixar o salário minimo. Proponho que façam, à semelhança dos trinta dias do outro, o mesmo com os Euros que querem disponibilizar para os Portugueses. Experimentem os que querem baixá-lo, se governem durante um mês apenas, e vejam no final como vai a vossa saúde.
 
 

domingo

Leituras & Desgostos

Durante esta semana fiquei deveras decepcionada com alguém que tinha em consideração. Vem isto a propósito de idéias preconcebidas que fazemos sobre outrém. Esse alguém, a meio de conversa que mantinhamos, atirou-me que não gostava de ler. Fiquei siderada. Mas o meu desgosto não se ficou por aí, pois passado um tempo, constatei que essa mesma pessoa se entretinha a desfolhar ávidamente as páginas de uma publicação cor-de-rosa, seguindo na ponta do dedo, as legendas que acompanhavam as fotografias tiradas à socapa  pelos papparazi. Não contente com tal episódio, ainda me relatava os factos dos quais se punha ao corrente. Foi demasiado para mim. Não consigo encarar a pessoa da mesma maneira e creio que gosto dela menos do que gostava.
 
 

quinta-feira

Morder a língua

Embora acusada de ter um feitio dificil (e não usarei outros adjectivos) a educação a que fui sujeita impede-me de referir o que tenho muitas das vezes vontade de lançar boca fora. E digo lançar, porque a força e o ímpeto com que fico são de tal forma intensos, que mais parecem um vómito. Mas - e há mas nesta história - a refrear-me a bendita educação burguesa de boas maneiras sobre nem tudo é para se dizer, contenção, contenção, a cozer-me a boca e a permitir ouvir as alarvidades alheias sem lhes dar o troco na medida igual, retorquindo polidamente e afastando-me a morder a lingua, para que esta não tenha uso a não ser a dor. Um dia, sonho que terei um dia sem filtros, em que farei o gosto à garganta e tudo direi de prontidão. Nesse dia, podem usar todos os adjectivos.
 
 

segunda-feira

(Re)Começaram as aulas

Como um estalar de dedos, parece que todos os estudantes surgiram da terra e apareceram para ocupar todos os espaços possíveis e imaginários. Vem isto a propósito de ter começado o ano escolar. Mas não só. O trânsito alucinado, as longas filas para qualquer transporte e para almoçar, e no regresso uma mesma dose de paciência para aguentar buzinadelas, os meninos que vêm carregados de hiperactividade e guincham como animais enjaulados, a triste constatação de que férias, só mesmo no ano que há-de vir, assim nos facilite a vida que a Troika permita.
 
 

sexta-feira

Silêncio procura-se

Tenho alguns locais de eleição onde religiosamente vou há vários anos e se desaparecessem ou alteressem o seu MO, confesso, sentir-me-ía defraudada. São sitios onde recorro para me servirem como necessidade básica, mas igualmente me restabelecem na paz e tranquilidade que gosto e procuro. Não tenho apetites por cenários mundanos publicitados nem concorridos por caras conhecidas. Não gosto de multidões nem decibéis agressivos assim como conversas desmesuradas só para manter um diálogo entre os clientes, que me exaustam e  anseiam pela fuga. Preciso de silêncio, não de um silêncio sepulcral enterrado, mas de um silêncio pacifico em que sabem respeitar-me por me saberem como sou, sem invasões nem agrados excessivos. Preciso que me deixem entrar e despreocupada pelos meus bocados, todos eles sintam a seu tempo, a ausência da cidade.
 
 

terça-feira

(In)Competências

O nosso juízo está de tal forma organizado segundo uma escala ilusória que nem mesmo para nós próprios, temos a capacidade de discernir qual a real e verdadeira medida de competência dos outros perante a nossa e vice-versa. Confuso? Claro que sim. Vem isto a propósito de estarmos constantemente a avaliar o grau de competência dos outros comparativamente ao nosso. Ou seja, o nosso é sempre indubitavelmente superior. Não é verdade? Raras vezes que o não é. Pois quando não nos deitamos a fazer estas comparações, é exactamente quando aceitamos a realidade, ou seja, encaramos que o outro é de facto, melhor que nós. Mas vem isto e ainda a propósito, que a nossa realidade muito virtual, nos reflecte um grau de auto-competência muito mais elevado do que aquilo que se passa: Porque nos sussurramos sou bem melhor que tu? E afastamo-nos irritados. Com quem?
 
 

sábado

Poesia (É preciso)

A abstracção do real pela poesia não é apenas um exercicio do belo. Para mim, que o faço como aprendiz do b-a-ba e me comovo quando a leio, não simplesmente por alguns pedaços do sentir de mim, mas um todo do que sou, faz-me falta tê-la por perto e dela alimentar-me de quando em vez. Uma espécie de nutriente do qual careço para me manter viva e amorosa, tornar presente a fragilidade do que é ser humano e do que é ser artista. Não o sou, não tenho essa presunção. Lá porque me ensaio em riscos de poesia e me faz bem tentá-la, a maioria das vezes desperdiço-me em muito papel rasgado por me achar incapaz de a escrever. Vem isto a propósito das saudades que tenho de o fazer, também dos receios de aí voltar a esse campo maravilhoso mas minado e encoberto.

 

quarta-feira

Ataques

Preparava-me para reunir os meus blogados para um pedaço de escrita tranquila, quando me tocaram a porta. Insistentemente diga-se, o que desencadeou um automatismo de negação automático na minha pessoa, fazendo recolher todos os meus bocados como um exército pronto a defender o forte. Uma venda directa. Recusei. Primeiro com um sorriso amarelo para despachar a coisa, mas ante a série de perguntas com que fui flechada, disparei também, e voltei a repetir mais do mesmo e com uma carantonha a ver se percebíam que era não definitivamente. Insistiram. Já a fechar a porta e a repetir pela terceira vez a mesma frase batida e visivelmente irritada, o telefone tocou. Salva pelo gongo, pensei! Era outra venda. Incapaz de me controlar, usei pela quarta vez a mesma frase, não dando sequer tempo a quem estava do outro lado para retorquir. Vem isto a propósito,  das condições de emprego do nosso País. Vem isto a propósito da agressividade que se usa para entrar nas nossas casas. Vem isto a propósito da agressividade que despoletamos para escorraçar quem se arroja ao nosso território.

 

domingo

Caixa-Forte

Reúno uma mão de amigos e não sinto falta de mais, sinceramente. Há quem diga que dos verdadeiros nunca são em número suficiente, mas os que me estão perto bastam-me, não pretendo outros com todos os seus defeitos que lhes reconheço, que a mim me apontam e agradeço. Vem isto a propósito, de bastas vezes me achar na condição de confidente de puros estranhos. Dos que nada me são, daqueles que só me dirigem o gesto do cumprimento polido e um dia - na mais perfeita incongruência de ambas as partes - acharmo-nos num confessionário sem esforço, em que eu sou mera escuta e os meus bocados são retalhos de pedra. Talvez por isso, me achem uma caixa-forte capaz de guardar o que ouve para todo o sempre, sem devassa de boca e orelha alheia.