segunda-feira

Forças&Vontades

Mesmo não sendo escritora preciso de escrever. Preciso de contar sobre emoções, sobre sentimentos, sobre sentires, sobre o desejo, sobre o porvir. Como o poeta. Mesmo sabendo que o faço manca, aos pedaços, há uma força maior que me atira de costas contra o papel e me agarra a mão, segura a cabeça e obriga-me a encarar as linhas que desenho como uma confissão do criminoso. Talvez peça um cigarro depois de assinar este texto. Talvez o faça como a última vontade. É sempre a última vontade. Nem sequer tenho força para lhe resistir.

domingo

Hienas

Também os outros me arrancam bocados. Da pele, do coração. De cá de dentro, os que mais doem. Bocados que não se veem. Mordem-nos antes de os rasgar de mim. Mastigam-nos, puxam e depois cospem-nos. À minha vista. Sugam-lhes o suco e largam-nos. Sugam-me o que sou. Bocados de mim que me fazem inteira e me deixam amputada. Levam-me pedaços, crescem-me lágrimas. Mas sendo estas instantes de pedaços não ocupam os buracos que me escavaram. Dói mostrar os nossos retalhos e separarem-nos do resto do todo. Vulgarizarem-nos pelos bocados.

sábado

Nascer das palavras

A propósito do nascer do dia. Do nascer do canto dos pássaros. A propósito de mim que nasço todas as manhãs com o dia. Que nasço todas as manhãs com as palavras. A propósito de bocados de mim que se juntam e fazem um novo ser num novo dia. A propósito de pedaços que se desprendem de mim e nascem livres como o canto dos pássaros. Como o canto das palavras. Como tudo o que nasce é belo, sublime. Mesmo que o seja por instantes e aos retalhos.

sexta-feira

Original-Mente

Originais. Únicos. Dos únicos as réplicas. As réplicas como outros originais. Os originais perdidos no tempo e na acção de quem os faz. De quem os atribui. De quem lhes dá o valor de original. As réplicas como mentiras originais. Que passam a ter valor de original. As mentiras das réplicas como prémios originais cujos originais não receberam prémios. A intenção do pecado e o pecado do original. Mentir sobre a originalidade da réplica e fazê-la tomar o sabor do pecado. Como único. Como uma mentira original que se torna uma réplica da verdade.

quinta-feira

Do todo e de metade de mim

Se um dia me perder de mim chamem-me. Digam que deixei bocados por aqui. Gritem por mim para os juntar ao que sou. Que não sou. Faltar-me-ão pedaços. Mas a ausência desses pedaços fazem de mim (também) aquilo que sou. Perdida por achada. Completa por repartida. E desses bocados espalhados que aqui deixei ainda lhes noto o que de mim sou. Sem mim e de per si. Então, eu sou metade do todo de mim e outra meia de bocados perdidos. Do todo e aos pedaços esquecidos.

quarta-feira

Até que a morte nos separe

Podem passar mil anos. Destes e daqueles que dizem já vivemos e havemos de cá voltar. É como um casamento. De vida. Com todas as discussões e beijos. Perdões e bater a porta. Um namoro contínuo. O da escrita. Estou certa que dela só me separo quando fechar os olhos. E mesmo assim há-de continuar a pairar na minha alma. À espera. E quando eu voltar não me hei-de lembrar. Há-de surgir. E eu volto a descobri-la. E provavelmente voltarei a escrever. E como da primeira vez que não recordo agora, hei-de voltar a afirmar que será como um casamento. Sempre renovado.

terça-feira

Arrepio(-me)

Arrepios de sensibilidade. Os que me parecem cortar-me como uma folha de papel. Ardem muito. Arrepios de frio. Os do vento e na boca do estomago. Dobram, encolhem-me. Arrepios de medo. Orgânicos, viscerais, artisticos. Os que me fazem a pele gritar. Arrepios de dor. Simbiose de tudo, amalgama de paixão e feridas. Saudades. O corpo a falar o silêncio do sentir. Bocados de pele que revelam alma.

segunda-feira

Sol de Inverno

Há nas saudades a dor. Mas também a inspiração do escritor. A do poeta. A saudade que se aninha no peito e se aquece de suspiros. E retribui nas palavras. Nas frases singulares. Nas simples que parecem nunca terem sido descobertas. De tão simples. Sempre as mais dificeis de transcrever do peito para o papel. Como um dia de praia no mês de Dezembro. Sol de Inverno.

domingo

Obssessões

Foco. Objectivo. Cegueira. Limitação. Prisão. Limbo. Faca de duas lâminas. Afiadíssimas. O punho dessa faca é um gume afiado que abre golpes na mão que a segura. No outro extremo a lâmina vai cortando pedaços. Dos retalhos da mão que empunha aos retalhos que manifesta na outra ponta não há diferenças. Obssessão. Peregrinação de uma vida. Sem milagres. Dos bocados dos meus sentidos, alguns cortei-os eu. Para sobreviver. Para manter a minha mão. Para poder escrever.

sábado

Águas

Tal como as correntes do mar que puxam para o oceano assim se renovam os caminhos da vida. Ainda rio com o som de criança. Mas já não rio das coisas de criança. Ainda sei correr. Mas deixo que o tempo me apanhe. Conheço as águas da chuva e dos mares. Conheço-lhes o doce e o salgado. Mas nenhuma mata a minha sede. Porém aprendi a navegar.

sexta-feira

Reencontros

A propósito das despedidas. E dos reencontros. Das surpresas que voltar a encontrar podem arrastar. Das lembranças. Do já sabido. Do que se descobre. Do novo no velho. A propósito das desconfianças e das crenças na mudança. De retalhos que se colam no presente mas sempre serão remendos. De recortes que se fazem agora para lembrar no futuro. A propósito de os juntarmos todos e confundirmo-nos no antes e depois. A propósito de fazermos dos reecontros O encontro.

quinta-feira

O novo e o velho

Encontrei esse amor antigo. Está velho. Era novo quando era o meu amor. Agora pergunto-me como foi o meu amor por este que não conheço. Mas recordo forte o que amei. Quero juntar o novo e o velho. Fazê-los um. Fazê-los agora. Talvez amá-los agora, de novo, com a mesma força de antigamente. Lembro no novo as juras eternas. Analiso no velho as banalidades. Desconfio das verdades do novo. Incomodam-me os olhares do velho. Amalgama de recordações, coração que não entende mas bate forte. Não me encontro.

quarta-feira

Mentir

Duas vertentes. As mentiras verdadeiras e as de caridade. As verdadeiras porque se objectivam. As caridosas porque humilham. Gosto mais de mentiras mentiras. Desprezo as de piedade. Surpreendo-me com as mentiras verdadeiras. Com os seus álibis. Com o engenho dos seus mentores. De tanto mentirem acabam a acreditar. Tornam mentiras em incontornáveis factos. Quase crenças. História. Venha a verdade e veremos quem vence. E por pena tornam-se as mentiras em verdades.

terça-feira

Saudades

Malditas. Que tanto magoam. Saudades do que já foi. Do que sabemos nunca mais voltar. Do que é bom e irrepetível. Das que sabemos haveremos de sentir. Saudades que atacam a três tempos. Passado, presente e futuro. Sentires que amachucam. Que até fazem chorar nos sorrisos. Que nunca se satisfazem. Que quase se desejam. Que fazem do poeta o poeta. Que me fazem escrever. Que me revelam. Que me fazem dizer não. Mentir.

segunda-feira

Menos/Mais

Cada vez há menos tempo. Tenho menos tempo. Encolhe-se a manta da minha vida. Já não me cobre toda. Desconheço para onde foi o que me falta. Talvez se tenha gasto no uso. Da vida. Das tristezas. Das cicatrizes. E se se gastou é capaz de ter levado com ela as feridas. O que quer dizer que o que sobrou é apenas a parte boa. A do riso. Poesia. Mereço.

domingo

Descanso da dor

E ao Domingo descansa-se. Devería eu fazer uma pausa. De todos os bocados dos dias que me bateram de frente. Que me aleijaram. Que me marcaram para que eu não os esqueça: que na Segunda disse adeus, uma mentira à Terça, uma ausência à Quarta. Por aí fora até chegar ao Domingo. Saber que neste dia não se fará dor. Fazê-lo um todo.Inteiro e feliz. Apenas feliz na simplicidade de ser diferente. Diferente por apagar os outros. Fazer dos outros retalhos que se excluem. Descansar. Só eu não me descanso das minhas memórias.

sábado

Dantes e depois

Do álbum de fotografias encontrei momentos. Revi momentos. Revivi momentos. Juntei-lhe pedaços de lágrimas. Construí novos momentos. Sempre farei outros nos momentos passados como um futuro certo. Em que os molho de lágrimas. Em que tudo será novo do velho. Menos as lágrimas. Reciclo momentos antigos na vã esperança de os aproximar novos. Porque os fertilizo. Nas minhas lágrimas. As choradas e as revitalizadas. Sei como são, sempre soube. Mas salgam a novo.

sexta-feira

Vida, essa trama

Da infância aprendemos por imitação. Mas em adultos aprendemos de bocados que nos restaram da infância e cosemo-los à experiência da dor e do riso. Fazemos uma manta que nos cobre e protege. Ou nem tanto. Que dos retalhos alguns alinhavámos. Descuidados. Despreocupados. E desses pedaços muitos não aguentam a pressão e esgaçam por tanto os esticarmos. Gastam-se. E nem mesmo da imitação do acto de os voltar a juntar e cozer aprendemos. Do quanto essa trama aguenta. Rasgamo-nos.

quinta-feira

Recortar(-me)-Parte dois

Há doeres que não compramos. São-nos oferecidos como um contrapeso. Pesam-nos. Fazem-nos dobrar pela carga. E ao tentarmos libertar-nos desse excesso, demasiado para o que possamos aguentar, vemos que se tornaram adesivos. Não largam. Acabam por se derreter em nós próprios e tornam-se parte de nós. Como um organismo parasita. Como um membro que não podemos dispensar ou sentimo-nos incompletos. Mesmo sabendo que se alimentam do nosso sangue. E o sangue mistura-se com a dor. E surgem novas veias. E se as cortarmos tentando arrancar o mal pela raíz, sucumbimos. Esvaímo-nos. Na nossa própria dor.

quarta-feira

Recortar-me

O sentir é um pedaço. Não me faz toda. Completa-me. Mas só por si não me constitui. Precisa dos outros remendos. O do corpo, o do olhar, o das mãos, o da zanga e da raiva. Então decido que hoje dispenso esse retalho. Mesmo incompleta não doerá. Mesmo que seja só por hoje.

terça-feira

A balança

Do bom e do mau. Do muito e do pouco. Dois pratos, uma balança. Dois extremos, dois opostos, dois hemisférios. Dois polos que se acompanham de mãos dadas pela vida fora. Vivem à vez. Precisam-se à vez para se viver. E serem um todo. Como um par, um casal, uma consumação para se ser e estar. E quando um dos pratos desaparece também o outro se desiquilibra.

segunda-feira

O muro

Semana após semana a vida vai-se fazendo. Como um muro que se constrói e se derruba no final da semana. Como a recuperar a liberdade. Como a afastar a inutilidade do muro levantado. Como a baixar defesas e a recuperar o que de verdadeiro se é. Como a refazer a vida e couraçá-la no que se há-de fingir ser.

domingo

Bocados de lua

Evito olhar a lua. Há lá uma melancolia que se pega. A mim. Às recordações. Torna-se saudade. Do que foi bom e das despedidas. Aviva, reaviva. Abre outra vez as feridas. Volta tudo como da primeira vez mas empresta-se-lhe a distância e tendenciosamente, acrescenta-se-lhe o encanto do que não se teve. Porque dos bocados queremos fazer o inteiro. Porque dos bocados se procura o que se gostaría de ter sido um todo. Como a lua. Mesmo em minguante ela está lá toda. Mas só vemos uma fatia.

sábado

Anjo da paixão

A paixão é como um anjo. Não tem sexo. Arrasa os dois géneros. Engrandece e lixa a vida a qualquer um. Embeleza o coração e apateta o semblante.É um anjo que domina, será do mal. É um anjo que liberta, virá por bem. É um anjo proletário, vai a todas. É um latifundário, come o coração. A paixão é imortal. E usa o velho ditado "elas não matam mas moem".

sexta-feira

A alma escrita

Dizem que escrever faz bem à alma. Eu digo que escrever é como olhar-se num espelho. O que se escreve é a nossa imagem. Mesmo sob a capa e chapéu de um pseudónimo. De uma forma ou outra sempre cai uma mecha de cabelo, o nariz sobressai. Que é como quem diz, acaba por se ouvir o bater do coração, por quem o coração bate. Escrever disseca, separa, exibe. Confronta. Deparo-me com os meus bocados. Aqui, nestes retalhos de escrita. E nem por isso sinto a alma melhor. Apenas a conheço melhor.

quinta-feira

O que

O que se diz e o que se sente. O que não se diz e que se sente. O que se diz e que não se sente. Três fórmulas mágicas para chegar. A ti. A outro. A qualquer um. Três pragmatismos silenciosos.
Que eu também já usei como verdades para mim, para ti, a um qualquer. O que te digo é o que vai dentro de mim. O que calo é tudo o que sinto por ti. Digo-to... pois, não te quero magoar.

quarta-feira

Robots

Era tão bom que tivéssemos um botão para ligar e desligar as emoções, os sentires! Um doseador que nos permitisse num conta-gotas pingar na medida exacta e proporcional ao que sentimos todas as dores e alegrias. Assim evitavam-se as lágrimas na despedida de um amor e os sorrisos tolos ao sentirmos o calor de um abraço. E assim se matava a poesia...

terça-feira

Ver-me

Às vezes sinto que ando perdida... de mim, quero dizer. Nado no meio das gentes, falta-me uma bússola para orientar o meu Norte, nadar em direcção a uma praia que me receba e me dê água fresca e frutos doces. Deixo-me ir, busco um reflexo nos que me acompanham nessa maré de gentes. E encontro-me ao ver-me no medo, na esperança, na alegria e na dor que esses nadadores sentem tanto quanto eu.

segunda-feira

Pedaços

Não quero falar de mim: quero falar de bocados de outros que fazem parte de mim. Que influenciam o que sou. Mas não sou eu, são pedaços de mim. Porque eu sou o todo, os outros também o são e a partilha dos meus bocados também moldam os outros. Parece que se perde o original... seremos todos pedaços uns dos outros? Não quero falar de mim, quero falar do que sou enquanto retalhos dos outros. É isso o sentido do sentir.

domingo

Despedidas

A propósito de despedidas. Destas e do que se diz nesses instantes enormes que decepam o coração. A propósito de mãos a acenar e bocas que se colam com se sugassem o ar armazenando-o em si para respirá-lo mais tarde. A propósito de outros gestos e frases feitas e pedidos normalizados que se cumprem como rituais. A propósito de postais que se exigem e que hão-de chegar, e depois rarear. A propósito do verbo ir e do verbo voltar. A propósito da palavra saudade que também se profere no reencontro. A propósito de despedidas e de reencontros, que partilham ruas de mãos dadas.